A mulher que não amava os homens, por Liliana Wahba

 

Solitária e tímida. Procura companhia para o prazer, sem compromisso. Cabelos negros longos e reluzentes, olhos de safira azuis. Altura 1m70, 60kg, medidas: 94-60- 90, acrobata de circo, modelo.

Anúncio lido num relance, logo despertou curiosidade. V.L. fantasia, oportunidade de usufruir, soltar amarras, atrever-se. O telefone é atendido por resposta eletrônica indicando endereço e horário. Com crescente expectativa se dirige ao local.

Outra gravação instrui o código para abrir a porta que dá entrada a um ambiente modernamente decorado, cama grande de tapeçaria no meio da sala, muitos espelhos, som de ópera wagneriana, tapete vermelho, poltrona de couro  e alguns apetrechos BDSM. Espera, sentado, e eis que surge uma divindade encorpada em mulher. Sem preâmbulos pede que tire a roupa e, por sua vez,  se mostra magnífica em sua nudez, essências de perfume floral exalam da pele amaciada com óleos, perfeita, seios que prometem embriaguez, púbis geometricamente desenhado, cabelos derramados em ombros absurdamente simétricos e alinhados  e olhar convidativo, ainda que misterioso  e indecifrável.

Uma primeira aproximação rapidamente funde seus corpos, ela acompanha seu orgasmo como ninguém jamais o fizera. Esvazia-se nela e sente ter atingido o nada e o todo. Descansam comendo tâmaras, poucas palavras; são desnecessárias. Acaricia suavemente a parceira e entende que é uma companheira para o prazer e a descoberta. Ela se excita e oferece os brinquedos, algemas, e um dispositivo para permanecer de olhos abertos; aceita, é somente incômodo, mas não dói. Sobe nele e inicia uma cópula frenética; no auge do espasmo ejaculatório imagens são subitamente projetadas no corpo dela, naqueles seios plenos de mel surgem rostos de soldados em agonia, no ventre arredondado abrem-se feridas supurativas e o púbis eriça-se em estertor de morte, o fedor de putrefação emana agora dela. Um engasgo de espanto murcha o membro antes faceiro e vigoroso. O odor se acentua e então desfalece.

Acorda, amarrado e nu no chão diante da mulher transformada que o espeta com uma lança, mostrando que se não obedecer irá perfurá-lo. Continua bela, no entanto inacessível e petrificada, a geometria se transformou em rigidez. Uma série de atos degradantes lhe é impingida: comer no chão, urinar e defecar sob o olhar zombeteiro dela, rastejar e lamber seus pés, e outras humilhações. Perde a conta dos dias até que é liberto desse deplorável cativeiro. Volta à vida: impotente, quebrado, olhar esvaído, sem rumo.

Recatada com ímpetos de atrevimento. Procura companhia para o prazer, sem compromisso.  Cabelos loiros naturais, olhos cor de âmbar. Altura: 1m70, 60kg, medidas: 94-60-90, ex triatleta, fisiculturista.

LILIANA LIVIANO WAHBA – Psicanalista junguiana. Profa Dra da PUC-SP. Diretora de Psicologia da Associação Ser em Cena – Teatro de Afásicos. Autora de Camille Claudel: Criação e Loucura.

Um comentário

  1. Opa!!!!!!
    Você colocou o dedo no ódio atávico que algumas mulheres têm dos homens. Misturando fantasias eróticas e sádicas, entrou em cheio no núcleo sexualidade X morte.
    A sua é uma versão mais sádica do filme do Polanski, Pele de Vênus, onde a mulher humilha o homem, que acaba destruído.
    Muito bom o final, que repete o início, com algumas mudanças na figura que se apresenta. Lembra um thriller noir, dá medo!

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