Sexta-feira, 10 de outubro de 1947. Baile das Américas. São Paulo. Foi ali que a vi. Com o mais belo vestido em cetim azul, a moça mais linda do salão. A moça mais linda do mundo! Minha Flora! Cabelos castanhos, na altura dos ombros. O sorriso mais encantador que eu havia visto em toda a minha vida. Maria Flora… Dezesseis anos, morava num pensionato para moças e fazia colégio normal, queria ser professora. Eu, vinte e um anos, estudante de direito. Assim que a vi, soube que ela seria a mulher da minha vida.
Visitava Flora quase toda tarde no seu pensionato. As freiras nos deixavam “namorar”, mas apenas por uma hora e em frente ao portão. Ali era o ponto de encontro dos jovens casais apaixonados. Eu trabalhava como professor de primário na época, estudava e, em meu tempo livre, pensava na minha bela Flora. Foram meses de ‘portão’ até que ela viajou para sua cidade, Indiana, para passar as férias com sua família. Na época, nem pensar em telefone, eram cartas de amor, diárias, cartas de saudades, cartas que guardamos até hoje e que ainda lemos juntos.
Um dia recebi uma carta dela que dizia: “Luizinho, sempre que vou passear na praça com minhas primas sou cortejada por rapazes. Não sei o que dizer ao certo, se sou comprometida, se tenho, de fato, um namorado. Sou? Tenho? Aguardo sua resposta ansiosamente.” Sim! Ela era comprometida, ela tinha um namorado! E um namorado muito ciumento, diga-se de passagem. Como eu poderia saber que minha garota estava sendo alvo do olhar de gabirus e ficar tranquilo?
Assim que ela voltou para São Paulo, fiz questão de oficializar o nosso compromisso. Fazia-se isso na década de 1940. Eu ainda era novo, tinha apenas 22 anos e não havia me formado, mas garanti que ia fazer dela minha esposa, assim que fosse possível.
Aquele seria o último ano de Flora em São Paulo. Não podíamos nos casar naquele momento e estávamos desesperados só de imaginar a separação. Ela passou a tirar notas vermelhas no colégio e perdeu o ano. Tudo isso para continuar ali. Comigo.
Pedi a mão de Flora em casamento dois anos depois. Para o pai dela, como era o costume. E não era fácil. Eu suava frio, tive dor de barriga, gaguejava… Mas depois fui diversas vezes para Indiana, quando estávamos noivos. Conquistei a família de Flora rapidamente com meu jeito encantador – oras, eu bem sabia ser amável com meus sogros! Em 1952, depois de cinco anos de compromisso sério, fiz de Maria Flora minha esposa. Foi uma cerimônia simples, mas muito amorosa. Esbanjávamos juventude e estávamos apaixonados!
Em 1953, tivemos nosso primeiro filho, que foi seguido do segundo, da terceira e do quarto. Alguns anos mais tarde, tivemos Florinha, minha filha mais nova. Eu que escolhi o nome. Lindo nome, por sinal! Cinco filhos. Uma grande família!
Viajamos muito, os dois. Foram viagens longas pelo Brasil, pela Europa, pela América e até pela África. Cada lugar tinha suas riquezas e seu fascínio, mas o que tornava cada viagem especial era estar na companhia da mulher mais bela do mundo. Do meu mundo.
Bodas de papel, prata, ouro e diamante… Foram 66 anos de casados (70 juntos), temos uma coleção de bodas em nosso repertório. E comemoramos cada uma. Com festa, por que não? São conquistas…
Ainda celebro todos os dias a minha sorte. Não foi sempre fácil. Uma e outra ‘encrenca’ qualquer relacionamento sempre tem. Mas sempre achei que, num casamento, a maior ameaça é a traição moral. Nada a ver com um affaire fora do casamento, não. Traição moral é a que nasce da expectativa desfeita, da confiança quebrada. O amor é compreensão e apoio incondicional, sem isso…
Não que isso signifique que não haverá discussões ou ideias contrárias, mas de uma maneira mais profunda, o apoio, o amor nos seus moldes mais brutos, deve estar lá, sempre.
Hoje os casamentos duram pouco, parece. E volta e meia alguém me pede uma receita. E é claro que não tem receita nenhuma. Mas paciência é importante. Qualquer relação humana é complexa e muito difícil (eu tive a sorte da minha ser mais simples, a paixão foi um ótimo componente), atritos acontecem e uma hora ou outra, desculpem-me a palavra, vai ‘encher o saco’ – eu sei, ficaria menos agressivo um ‘vai saturar’. Mas aí você para, pensa naquele amor, na vida construída e na vida antiga na qual não havia a sua/o seu companheiro. A minha era vazia. Meu coração só tomou forma depois que eu encontrei o amor e me construí com ele. Eu não seria eu, sem o meu amor. Quando você atinge esse grau de identidade, quando você se descobre em uma outra vida que não a sua, então não existe motivo que faça você querer se afastar ou acabar com esse relacionamento. Eu sou a minha história de amor.
Luiz Gerevini tem 94 anos, é advogado, empresário e, entre uma viagem e outra, se arrisca nas adegas e aventuras online. A maior paixão de sua vida, além da Flora, é viver.
Este texto foi publicado originalmente no MSN, patrocinado pela Corega.
Caro Luiz
Seja bem vindo, colega, também estou fazendo 90 e amo despejar no papel alegrias, momentos felizes e tristezas, coisas da vida… Linda a sua historia de amor! Como é maravilhoso ser um casal assim apaixonado. Estamos na semana dos namorados e tudo indica que vocês dois ainda são namorados enamorados.
Parabéns e abraços para Flora
Esther Soares
Gostei Luiz:
Tenho 85. Sonho chegar aos 90 com o mesmo discurso seu
Não há receitas, diz o autor em sua crônica. Não há receitas para amar, das formas que for, no romantismo, na aventura, com companheirismo, o segredo seria o gosto pelas viagens? Decidido desde jovenzinho, mantém o entusiasmo.
Na sua idade , ainda bonitão e apaixonado pela mesma mulher, você conta lindamente o seu segredo para nós e, confesso, fiquei com inveja – boa – do casal.
Amar é para corajosos pois muito há que se superar em si mesmo para continuar amando – a mesma pessoa! Flora e você são dois corajosos. Que assim continue!
beijo para vocês!