Meu fígado,
por Sylvia Loeb

Sou um órgão imenso, peso quase um quilo e meio, ocupo um lugar razoável dentro do corpo, bem ao lado do estômago. Sou uma  usina de processamento com funções essenciais para o equilíbrio do organismo. Tudo que é ingerido entra em uma cadeia ininterrupta de procedimentos: armazeno e libero glicose, vitaminas e sais minerais,  metabolizo, sintetizo e processo drogas, destruo células desgastadas e bactérias, secreto bile, regulo o fluxo de sangue. Minha programação é complexa e altamente diferenciada para dar conta de todos os mecanismos necessários à saúde.

Sou generoso a ponto de dar pedaços de mim sem pedir nada em  troca. Tenho um dom de regeneração raro nas espécies vivas. Pedaços mutilados normalmente não se reproduzem, a não ser no meu caso.

Com todas estas qualidades, ainda assim sofro ataques: álcool, cigarro e gordura são mortíferos para mim.

A boca selvagem, que ingere estes elementos em grandes quantidades, pode me matar.

Sou embebido em sangue;  passam por mim um litro e duzentos ou um litro e meio de sangue por minuto, que vai para o coração. Se ele estiver com problemas, o sangue será retido no fígado, que aumentará de tamanho. E assim corro risco novamente, desta vez por problemas cardíacos.

Mas sofro calado, é uma característica minha, acho mais elegante, não gosto de estardalhaço.

A delicadeza, no entanto, tem sua contrapartida.

Quando finalmente emito sinais, pelo amarelão que tinge olhos e  pele e pelas pequeninhas teias de vasos sanguíneos no rosto, aqui e ali, já é tarde.

Hepatite B ou C, silenciosa como eu, pode evoluir para cirrose ou câncer, se não houver tratamento.

Não deixo de me perguntar por que levo tanto tempo para avisar que estou doente.

Seria vingança?

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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!


Um comentário

  1. Sylvia dá a entender que a vingança corrói? Ou é a vingança retida? Bernie Siegel acha que o ressentimento se acumula e favorece adoecer, a agressão direta não, a raiva embutida e o ódio, sim. Sempre corpo e alma

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