Na entrada da casa, a varanda com colunas de mármore rosado era adornada pela alamanda branca que se espalhava na treliça em arco. A porta de acesso, de madeira entalhada, tinha portinholas de vidro — nunca entrei por ela. Meu pai me proibia de frequentar essa casa por causa do avô de minha amiga Gina, o nono, imigrante italiano. Para não ser vista, eu entrava por um buraco na cerca de arames no fundo da casa vizinha; nem sempre era fácil por causa do cachorro que me perseguia, vez por outra tropeçava, ralava os joelhos. No aniversário de Gina, expressei ao meu pai o desejo de ir à festa, queria entrar pela porta da frente, sem risco de estragar o vestido novo; primeiro, ele ficou em silêncio, parecia vagar em outro espaço, depois foi proferindo palavras desconexas em sua língua natal, espanhol, em seguida, lançou-me um torpedo com seu olhar.
– Ouça bem, vou falar pela última vez — e, com o dedo em riste continuou a fala — você está terminantemente proibida de por os pés nessa maldita casa.
Os pais de Gina trabalhavam numa cantina e o nono passava o dia em sua cadeira de balanço na varanda, fumando cachimbo. Tínhamos um território livre para nossas brincadeiras. Somente o quarto dele permanecia sempre trancado. A cama do casal virava porto, trilho e mar. Do alto da cabeceira, o olhar da santa com um manto azul nos acolhia — Nossa Senhora do Bom Parto, disse Gina. Na parede em frente, ficava o guarda-roupa com espelhos na porta; do lado esquerdo, a cômoda e, do outro, a penteadeira com perfume, batom, colar, brinco e pulseira; em todos os móveis, recolhíamos nossos tesouros.
A mãe dela tinha muitas roupas de festa, o que tornava difícil a escolha. Com vestidos coloridos, echarpes e chapéus combinávamos joias e sapatos – éramos noivas, madrinhas, princesas em luxuosos salões. Sem fronteiras, cruzávamos oceanos com nossos navios; outras vezes, em barcos, seguíamos por lagos e rios. Percorríamos de trem vastas paisagens, entre vales e montanhas. Panela, colher de pau, colcha, tudo da casa cabia no nosso palco. Por vezes, usávamos a banheira, então, sereia e marinheiro mergulhavam no mar.
O inverno chegou, fazia muito frio quando o nono começou a tossir; com febre alta teve de ficar de cama, não podia mais ir à varanda. Na hora do remédio, entrei com Gina no quarto dele. Na parede, em cima da cama, observei um quadro bem grande com a figura de um homem de cabelos pretos, bigode curto, com o braço direito erguido, junto a outro com rosto grande, olhar penetrante, de boina preta.
– Hitler e Mussolini – sussurrou Gina.
Lourdes pinta um quadro de contrastes: o mundo das crianças e o mundo dos homens. Gosto mais do primeiro.
Lourdes, muito bom! O pai tinha toda razão em não te deixar ir à casa da garota! A figura do avô que a princípio empatizamos revela todo seu contexto pelas fotos.
Parabéns
Lourdes, muito bom o texto, a visão das crianças nos permite conhecer diferentes mundos sem pré julgamentos. Parabéns pelo texto !!!!