Se eu mesmo poetizo
Consigo viver poesia
Esperando com alegria
Poder senti-la um dia!
Ao poeta eu confessei
Frustrado que fracassei
Por não ser meu destino
Fazer poema genuíno
Passei às estrofes que sinto
Tais angústias e não minto
É tímido meu pobre engenho
Não me socorre tal empenho
Ensinou-me bem gentilmente
Inspiração nasce inconsciente
Rebenta de devaneio demente
E mesmo por febre inclemente
Surge sempre de repente
Nesse átimo de distração
Sem batismo de inspiração
E se move como acidente
Brota de sílaba solta
De algum ruído à volta
De mote inconsequente
A convulsionar a mente
Em minuto breve se é fisgado
A decifrar frase de delírio velado
Sentindo na intimidade abstrata
Comoção incontida e imediata
Existe o sutil momento
Perdido ou de sustento
Em que instante gravado
Leva ao verso gerado
Nunca é a lírica obrigada
Nascer de sílabas ritmadas
Ou de emoções inventadas
Mas as vividas e sonhadas
Desponta qual num piscar
Igual ver um pássaro pousar
Ou pela lágrima que escorre
Por quem se ama e morre
Com seu tino ainda replica
Beleza não repousa em rima
Mas pelo que a trova incita
Até fantasia soa legítima
Ao soneto deve ser aditado
Não se obriga ser musicado
Pois soa sublime encantado
Se em harmonia enlevado
Enquanto um som musical
Ressoa como ode celestial
Se a obra prima for sentida
Anima e incandesce ouvida
Do poeta será falso o pedido
Se deve ao divino seu sentido
Poema não é milagre nascido
Senão desejo bem convertido
Nascidas de sensíveis meios
Nessas palavras são criadas
Tantas imagens e devaneios
Como as fantasias sonhadas
O que faz diferente a poesia
É a potência da fala incisiva
Imperar com locução esguia
E rejeitar a sentença vazia
A longa frase ela minimiza
Pela usura em prover artigos
Então o parágrafo se latiniza
Generosa em seus adjetivos
Pois nunca se verseja
Sem adjetivos supridos
Nem sombra há sem luz
Ou nascer sem vagidos
Qual sal que só sai do mar
Tormenta vem só com vento
E como só com tinta se pinta
Verso só germina de invento
Emoção da estrofe floresce
E se transmuta o amargo fel
Em jorro puro de leite e mel
Que a imagem fértil oferece
A banalidade inspirada
Comove, mas enaltecida
Faz de ar matéria sólida
Como se drama de vida
Faz mágica a poesia
Para a mente solerte:
A do cético converte
E a do sóbrio inebria
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EDER C. R. QUINTÃO – É graduado em Medicina pela Escola Paulista de Medicina desde 1959, doutor em Endocrinologia, comendador da Ordem do Mérito Científico pela Presidência da República do Brasil, livre-docente de clínica médica, professor, pesquisador, membro da Academia Brasileira de Ciências e avô orgulhoso de três netos. “São o mais importante feito do meu CV”, segundo ele. Escrever não entra no CV, é paixão.
Muito lindo Eder,
Para escrever poesia é necessário ser poeta.
Ilustrar a vida da poesia então, é obra para poeta.
Se tivesse – já fazendo- que fazer uma ressalvinha, seria que senti um pouco longa.
abraço
Bettina