Letra da poesia,
por Eder Quintão

Se eu mesmo poetizo
Consigo viver poesia
Esperando com alegria 
Poder senti-la um dia!

Ao poeta eu confessei
Frustrado que fracassei
Por não ser meu destino
Fazer poema genuíno 

Passei às estrofes que sinto
Tais angústias e não minto
É tímido meu pobre engenho
Não me socorre tal empenho

Ensinou-me bem gentilmente
Inspiração nasce inconsciente
Rebenta de devaneio demente
E mesmo por febre inclemente

Surge sempre de repente
Nesse átimo de distração
Sem batismo de inspiração
E se move como acidente

Brota de sílaba solta
De algum ruído à volta 
De mote inconsequente
A convulsionar a mente

Em minuto breve se é fisgado
A decifrar frase de delírio velado
Sentindo na intimidade abstrata 
Comoção incontida e imediata

Existe o sutil momento
Perdido ou de sustento
Em que instante gravado
Leva ao verso gerado

Nunca é a lírica obrigada   
Nascer de sílabas ritmadas
Ou de emoções inventadas
Mas as vividas e sonhadas

Desponta qual num piscar
Igual ver um pássaro pousar 
Ou pela lágrima que escorre
Por quem se ama e morre

Com seu tino ainda replica
Beleza não repousa em rima
Mas pelo que a trova incita
Até fantasia soa legítima

Ao soneto deve ser aditado
Não se obriga ser musicado
Pois soa sublime encantado   
Se em harmonia enlevado

Enquanto um som musical
Ressoa como ode celestial
Se a obra prima for sentida 
Anima e incandesce ouvida 

Do poeta será falso o pedido 
Se deve ao divino seu sentido
Poema não é milagre nascido  
Senão desejo bem convertido

Nascidas de sensíveis meios
Nessas palavras são criadas
Tantas imagens e devaneios
Como as fantasias sonhadas  

O que faz diferente a poesia
É a potência da fala incisiva
Imperar com locução esguia
E rejeitar a sentença vazia

A longa frase ela minimiza
Pela usura em prover artigos
Então o parágrafo se latiniza
Generosa em seus adjetivos

Pois nunca se verseja
Sem adjetivos supridos
Nem sombra há sem luz
Ou nascer sem vagidos

Qual sal que só sai do mar 
Tormenta vem só com vento 
E como só com tinta se pinta
Verso só germina de invento  

Emoção da estrofe floresce
E se transmuta o amargo fel
Em jorro puro de leite e mel
Que a imagem fértil oferece

A banalidade inspirada 
Comove, mas enaltecida
Faz de ar matéria sólida
Como se drama de vida

Faz mágica a poesia
Para a mente solerte:
A do cético converte
E a do sóbrio inebria

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EDER C. R. QUINTÃO – É graduado em Medicina pela Escola Paulista de Medicina desde 1959, doutor em Endocrinologia, comendador da Ordem do Mérito Científico pela Presidência da República do Brasil, livre-docente de clínica médica, professor, pesquisador, membro da Academia Brasileira de Ciências e avô orgulhoso de três netos. “São o mais importante feito do meu CV”, segundo ele. Escrever não entra no CV, é paixão.

Um comentário

  1. Muito lindo Eder,
    Para escrever poesia é necessário ser poeta.
    Ilustrar a vida da poesia então, é obra para poeta.
    Se tivesse – já fazendo- que fazer uma ressalvinha, seria que senti um pouco longa.
    abraço
    Bettina

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