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Leonardo Quindere e a igrejinha

Uma igrejinha

Uma igrejinha, daquelas construídas nos tempos mais recentes. Não tinha ouro, nem mármores, nem um altar cheio de esculturas. Construída e mantida simplesmente pela fé, e talvez ainda mais pelo senso de comunidade, de pertencimento a um grupo. Assim é a Igreja de São João Evangelista, numa pracinha pequena, num bairro esquecido de crescer. 

Naquela missa, sábado à tarde, muitas senhoras idosas, talvez cumprindo uma obrigação ou dando uma satisfação para as outras paroquianas.

Quando pequeno ouvia dizer “fui à missa ontem, estou desobrigado”.

Chamava a atenção a obrigação, a imposição interna, o cumprimento de um dever. 

Ir à missa, sempre me pareceu tão tedioso, nunca cheguei a entender todo o ritual, o meu pensamento ia longe.  Demorei para perceber que tinha um script, uma sequência. 

Meus pais não eram de ir à missa, minha mãe admirava a fé da minha avó, mãe dela, que justificava bençãos e desgraças como vontade divina. 

Meu pai, como terceiro filho de uma família católica do interior do Ceará, nascido em 1930, de saída estava destinado a ser padre, desistiu da ideia quando foi estudar em um colégio religioso e alegou que não queria usar saia. 

Meus pais eram adultos nos loucos anos 60, época da luta contra o conservadorismo dos costumes e do obscurantismo religioso e deixaram para os filhos a escolha de alguma ou nenhuma fé, fomos criados em um ambiente de liberdade. 

E assim, entender o sentido da vida me levou a passear por várias crenças. Por fim, o ceticismo patrocinado pela ciência me ganhou. Céu ou inferno, vida após a morte, pra mim ficou como uma questão em aberto, se existir ótimo, senão, vivamos sem o sofrimento de tanto medo e repressão. Não invejo os de fé, mas aceito que se uma crença dá conta da angústia, então tá bom. 

A igrejinha, no entanto, me toca, não pela fé que brota de suas paredes, mas pelo isolamento e abrigo do mundo caótico lá fora.

No casamento a seguir, dois jovens, como aquela Igrejinha, resistentes à passagem do tempo, buscam na fé um conforto. Oficializar a união, os olhos de Deus, dar uma satisfação a sociedade? Nada disso é mais necessário. Os pais da noiva, já distantes dos rituais católicos, apenas contemplam essa nova onda ou melhor a volta de uma antiga ideia. 

De tudo fica uma celebração, um comunicado a si e ao mundo que os projetos de união podem ser pelo menos tentados. 

Contra tudo e todos, a Igrejinha está lá resistindo ao novo, mas também dizendo de um ciclo, de um passado que segue presente, oferecendo uma possibilidade.

Um viva aos noivos e à igrejinha que nos acolhe e parece parar no tempo para celebrar compromissos e criar esperanças.

4 comentários

  1. nesse bairro “esquecido de crescer” a igrejinha é um refúgio da singeleza que nos foi usurpada, um antídoto ao egoísmo, ao narcisismo grandioso. Linda escrita

  2. “A igrejinha, no entanto, me toca, não pela fé que brota de suas paredes, mas pelo isolamento e abrigo do mundo caótico lá fora“
    Ah, Léo, queria poder estar lá nesse momento caótico que estamos vivendo.
    Obrigada por tanta delicadeza, estamos tão precisados.
    Bjs

  3. as igrejinhas, qto mais simples, quanto mais “pobrinhas” mais me encantam. não tenho religião mas tenho fé, talvez por falta de inteligencia pra desafiar o maior, essa energia divina que faz o sol brilhar, as flores abrirem, os pássaros voarem, as crianças nasceram. Adorei te ler, Leonardo.
    bj

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