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Leningrado e São Petersburgo: URSS e Rússia
crônica de Eder Quintão

Leningrado, outono de 1986

Petrogrado (1914-1924) há muito não era mais, e bolchevista ainda era Leningrado naquele ano (1924-1991), com prédios destruídos no cerco alemão. No lugar do cerco, agora invisível cortina, e de ferro.

Como ultrapassá-la? Primeiro, com um passaporte enviado à embaixada da URSS em Brasília, com bons meses de antecedência, pagos os emolumentos em um longo formulário com comprovantes de viagem a Helsinque a congresso. Junto vem o nome e endereço da empresa turística estatal soviética, previamente imposta. Mais formulário, e em resposta, o roteiro com nome do hotel à revelia do turista: Pribaltiyskaya. Paga-se em dólares o hotel e o roteiro turístico antecipadamente, quer dizer, se não viajar, perde-se o dinheiro: não há retorno.

Embarca-se no trem em Helsinque ainda pela manhã. De lá à fronteira com a URSS, e desta a Leningrado. A primeira, dentro da Finlândia, leva duas horas; da fronteira, quase a mesma distância ao destino, sete horas devido a várias paradas curtas e longas e a maior parte na completa escuridão pois é o inverno ártico. No vagão, vejo-me acompanhado por uma dúzia de turistas russos, devidamente chefiados por um senhor que, soube neste curso gelado, representava o partido. Ao cruzar a fronteira, o turista enfrenta guardas da dimensão de armários, e arrogância em igual medida, que examinam passaporte exaustivamente, ordenam abrir a mala, reviram tudo e reprovam não ter declarado no formulário da viagem a aliança de ouro no dedo, em termos simples exigindo assim: “put it there” no formulário. Deixa o turista assustado: e se descobrirem que tenho dentes com incrustações a ouro? Falo então discretamente com prudente parcimônia indispensável no momento sem mostrar todos os dentes.

Com a polícia saindo, o turista brasileiro se encoraja, levanta-se, entra no banheiro, e mais alguns passos vai ao vagão restaurante (restaurante escrito apenas em cirílico num trem internacional), inteligível para o cauteloso que resolveu aprender todo aquele alfabeto diferente, exótico, gracioso esteticamente. Outro “armário” aparece categórico impedindo a passagem. Só pronuncia: “closed”. Transforma-se subitamente em gentil: traz um copo de chá quente e uma bolacha doce suficientes para camuflar a fome pelas horas restantes. O turista persiste esfomeado e com frio: vagão não aquecido.

O líder do estranho grupo de turistas russos abre uma grande caixa de onde saem pequenas caixas: eram os lanches dos passageiros: comem ávidos e ruidosamente enquanto piora a fome do único turista estrangeiro. Os russos ficam então alvoroçados em conversação efusiva e tanta que uma delas pergunta de onde vem ao estranho passageirol.  Do Brasil respondo. Outro se anima e entra na conversa, ambos com inglês claudicante. A moça era médica. Era a primeira vez que viajavam ao ocidente como prêmio conferido pelo partido. E que prêmio! Um deles abre um pacote, tira um par de botas que disfarçadamente, na ausência do líder ao banheiro, passa ao funcionário do vagão manifestamente grato pela compra ilegal. Recebe o dinheiro e guarda-o rapidamente no bolso enquanto o comprador calça as botas.

Após outras paradas e enfrentamentos policiais chega-se à estação chamada Finlândia aonde Lenin desembarcara vindo da Alemanha. Chego à escada saindo do vagão e me defronto com outro armário bem encapotado e coberto por casaco elegante. “Mr Quintao”? Pergunta ele e emite seco uma ordem enérgica, categórica: “follow me”. Nem mais um som ouvido dele até o taxi. A mala pesada, sem rodinhas, e sem carrinho de transporte, não recebe qualquer gesto de cortesia. Caminha ofegante até a saída da estação. Um taxi já esperava. O guia, ou guarda, ou agente, rotulem-no como desejarem, comanda o turista impacientemente a colocá-la no carro com uma ordem só e brusca ao chofer: “hotel Pribaltiyskaya”. Chega-se lá ainda carregando a mala; no balcão da portaria entrega o passaporte, preenche o formulário de praxe e o próprio turista leva a mala ao quarto, felizmente aquecido, recheado de cortinas e veludos kitsch: um cômodo medieval. A fome aperta. O jantar? Não mais disponível. Uns dólares levam-me um sanduiche indefinido e uma garrafa de chá. Foram os poucos dólares gastos; até o taxi já estava pago: o milagre soviético resumia-se efetivamente no impecável funcionamento da burocracia estatal.

No dia seguinte constava do programa um passeio às 10 horas da manhã a Pushkin, antiga Tsarskoie Selo, palácio de verão dos tzares. Toma-se aquele café da manhã, isto é, chá, com pepinos, batatas, e iogurte, pão preto, um bloquinho raquítico de margarina, com apenas uma colherzinha rasa de açúcar trazida relutantemente pelo garçom, mediante pagamento, claro. Para embarcar no ônibus da excursão era necessário pagar adicional. Vai-se a um guiché para trocar por rublos os “travellers checks” da American Express. Porém, ali, não eram aceitos os daquela marca; de outra marca seriam. Volta-se ao quarto e espera aparecer a fiscal de andar: uma matrona absolutamente inerte que deveria trabalhar a partir das 9, mas só começa às 10. A fiscal, atrás de uma mesinha minúscula, detinha a chave do quarto e o passaporte trocados à entrada e à saída do aposento por um bilhete. Tira dólares do cofre, devolve passaporte e a chave do quarto, recebe o bilhete frágil, amarrotado, aonde consta o nome do hóspede, escrito a mão, e frases em cirílico: seria o documento de uso permanente durante a estadia do turista. Coloca-o no bolso com cuidado para não amassar mais do que já está. Passaporte permanece aprisionado, não sem alguma preocupação. Corre ao guiché e troca as notas de dólar. Aflige-se temendo perder a viagem, única, e apenas às 10 horas. Passa casualmente outro turista a quem expressa preocupação, e ouve aliviado: “não se preocupe: aqui tudo começa só depois das 10 horas”. Já passara meia hora depois das 10. Entra-se no ônibus, versão de uns trinta anos atrás, tipo nosso ônibus escolar, carregando apenas o brasileiro e um idoso casal americano.

O veículo para burocraticamente no famoso hotel Astoria, aonde Lenin se hospedara e, dizem, Hitler sonhara dormir aqui. O velhinho americano diz à esposa: “vou lá buscar uma garrafa de água mineral”. Em segundos retorna desapontado e perplexo: proibida sua entrada; não tinha documento, alvará para aquele hotel. Saciará a sede apenas na volta ao fim da tarde.

Percorrem-se todas salas e corredores daquele palácio esplêndido, meio barroco, meio neoclássico. Retorna-se à noite para o jantar de carne dura cozida às vésperas e servida rapidamente após aquecimento em micro-ondas, mais tradicionais batatas, pepinos, repolho e cebolas, terminando com um doce inespecífico. Pedi cerveja; razoável e em garrafa sem rótulo. Sair à noite? Impossível pelo frio hipnotizante e a burocracia: não havia como ou aonde ir.

Nesse ritmo conhece-se o monumental palácio de Pedro no báltico (Petrodvorets), e Mon Plaisir, total e minuciosamente reconstruídos após devastação de bombas, os famosos gradis dos parques de Leningrado, que Stalin desejava trocar por locomotivas a vapor americanas, o Hermitage, uma longa fila de turistas russos relegada por meia dúzia de turistas estrangeiros aos quais, reverentemente, cumprimentando com meneios de cabeças, abrem caminho frente a qualquer quadro ou estátua exibida pela guia dos estrangeiros. Não se pode perder o museu do ouro dos antigos povos citas… programa extra: cem dólares!…. Vai-se ao banheiro: privada turca, papel higiênico um bloco de pedaços de jornal cortado, quadrados pendurados perfurados num arame dobrado enganchado numa torneira (sem água). Talvez fosse do Pravda! Lavar e enxugar as mãos? Impossível: ainda não caia neve lá fora, nem mesmo havia folha inteira de jornal para tal propósito! Essa cortesia só fora possível com uns rublos para a matrona que guardava o local. Nos grandes salões do museu há irremediavelmente alguém guardando algo de importância desconhecida e todos os cantos devidamente ocupados por idosas sentadas vestidas com padrões de indisfarçável pobreza, sem uniformes, nem crachás. E segue-se tudo mais naquele monumento histórico incluindo o moderno museu emocionante dos 900 dias em que a cidade permaneceu cercada pelos cavaleiros teutônicos na segunda guerra mundial.

Numa rua uma placa improvisada preservada da década de quarenta: “cidadão, em caso de bombardeio fique neste lado da rua”

Entrei numa longa fila que dava volta ao quarteirão. Vejamos o que acontece aqui. Era um carrinho de sorveteiro. Comprei o da única espécie: sorvete de creme revestido de chocolate em caixinha de papelão, também sem rótulo. Esvaziado rapidamente o carrinho, dissolve-se a fila como milagre. Havia outra mais, uns quarteirões adiante, em geral de mulheres carregando uns cestos feitos de fios de tecelagem. Era um açougue. Parado à sua porta o caminhão descarregava grandes peças de carne. Não havia caixa registradora, mas um ábaco. Compraram tudo; dissipou-se também a fila.

A porta de um prédio residencial estava aberta. Era escuro, feio, paredes desbotadas, reboco caindo. Entrei e vi que não havia paredes internas: as divisórias eram de papelão e não iam até o teto. Cheirava a cebola cozida. Ousei espiar lá dentro: várias camas e algumas mesas no mesmo aposento. Sobre os batentes externos das janelas: garrafas de leite, barras de manteiga (ou margarina?), pedaços de chouriço: eram as únicas geladeiras propiciadas gratuitamente pela própria natureza. De resto, tudo muito igual a nossas favelas. Talvez pior, mas isto não se percebe: vendo o prédio por fora parece apartamento parisiense.

Como voltar ao hotel? Pânico. Ônibus parecem destroços de guerra, com os motores à mostra. lotados e com pingentes. Ponto de taxis sem os mesmos. Surge um carro particular com alguns passageiros. Mostro o cartão do hotel. Respondem indicando quantos dólares. Salvo depois de longo tempo ao frio.

A televisão à noite, preto e branco, poucos canais locais, passava um longo documentário sobre Alexei Stakhanov, o herói do trabalho que no estalinismo produzia muito mais do que os heróis anônimos.  Criaram o mito para ser cultivado. Embora falado em russo, percebia-se o elogio ao personagem. 

Noite de ballet no teatro Kirov. Casa cheia. No intervalo vê-se o curioso hábito de darem voltas sobre o tapete vermelho do amplo salão. Vejo uma cara conhecida. Não pode ser ele pois mora em Oxford, nosso amigo pesquisador. Me aproximo. Se estiver falando inglês só pode ser ele, e era. Que maravilhosa surpresa mútua. Nosso amigo viera de Moscou só para assistir o ballet. Voltava na mesma noite não sem antes emitir seu parecer britânico: “bem menos erudito do que o British ballet”.

Satisfeitíssimo com a aventura histórico-cultural, mas apavorado pela recepção político-policial, o bom senso mandou que saísse de lá por uma porta diferente da entrada: mesmo com a passagem terrestre paga, melhor dispensar a aventura no trem e embarcar com destino a Estocolmo num voo da Aeroflot. Reza a lenda que aviões soviéticos não caem jamais…

Via taxi chego a um galpão do aeroporto com ampla antecipação. Vazio. Ninguém à amostra, nem mesmo fora do prédio. Passa-se hora. Ainda ninguém. Surge para alivio um turista: “é assim mesmo; espere que vão aparecer”. E não é que apareceram!? E o diálogo em inglês se sucede:

– “passagem e passaporte”… Entrego ambos…

– “leva dinheiro russo”?… Sim

Sem cerimônia, arrancam de minha mão a carteira que acabara de tirar do bolso e contam meus dólares e poucas notas de rublos, meras recordações de viagem. 

– “Quanto gastou em dólares?”

– Fácil lembrar. Praticamente nada a comprar. Passam-me outro formulário extenso que preencho detalhando os gastos escassos. Havia ido a uma loja comprar lembrança, como discos e um livro turístico-fotográfico sobre Leningrado: lindo, produzido no ocidente. Havia não mais do que uns 50 discos na loja. Balcões e prateleiras vazias. Três funcionários vendendo nada e absolutamente desinteressados no comprador. Intimidado comprei um disco do coro do exército soviético.

– “Não pode ficar com rublos, vá trocar”…

– Aonde? Remetem-me a outro prédio; uma boa andança até lá. Saio inseguro levando a mala pesada… e se perder o voo?

Frente a um guichê protegido por grade pesada a mocinha russa simpática e condescendente: “pode ficar com moedas; só não pode levar notas”.  Temeriam que pudesse falsificá-las?

Retorno aflito ao prédio da recepção. Mais de uma hora sentado. Ninguém, além do outro turista. Chamado para embarque. Passa-se por um longo corredor estreito entre paredes e teto baixo: alguém com mais de metro e oitenta andaria recurvado. Uma grade cai do teto atrás de mim; outra fecha-se rápido à frente. Turista enjaulado. Mostra-se novamente passaporte e passagem e a grade da frente levanta indicando caminho até o avião. Alívio, mesmo com a cadeira desconfortável, dura, assento e encosto de fibras trançadas, bem fina, flexível…poucos passageiros. Nem um copo de água. Felizmente, Estocolmo e depois, Brasil.

Saí quando preparavam arquibancadas nas ruas para o desfile tradicional da revolução comunista de outubro de 1917.  Chernobyl evaporara meses antes sem que Mikhail Gorbachev comunicasse o desastre ao mundo. Foi descoberta pela chuva radioativa sobre os países bálticos.

São Petersburgo, primavera 1991.

Volta-se em 1991. Leningrado desapareceu numa eleição honesta e pouco conhecida no ocidente. Provavelmente a única em muitos séculos de história russa. Ressuscitou como São Petersburgo e com tzar diferente: Boris Iéltsin, se propõe acabar com os novos tzares do partido. Transição entre bolchevismo e liberdade. 

Agora o casal, a esposa incrédula quanto a minuciosa descrição da aventura prévia, prudentemente de ônibus, a partir de Helsinque, via outro congresso. Para-se apenas na fronteira para a cerimônia dos passaportes. Esperava-se o pior, mas não mais abrem malas. ‘“Pelé, Garrincha, Didi”, e sorrisos joviais de dois guardas simpáticos. Que embaixadores ganhamos por causa da bola!

Hotel ainda imposto, mas não mais papéis amarrotados substituindo passaportes. A cuidadora do andar desaparecera. Escolhemos a empresa turística e uma guia com bom inglês. Conduzia-nos com um chofer simpático, engenheiro, falando português que aprendera em Portugal durante um ano, para voltar tendo deixado seu chefe imediato como refém: se não retornasse, este perderia emprego para sempre, o que significava no sistema perder o direito perene a alimentação. Pagou a viagem ao ocidente dando palestras sobre a vida árdua dos trabalhadores portugueses explorados pelos vilões, patrões capitalistas, sem poder confessar que tinham padrão de vida muito melhor que os congêneres soviéticos. Seu carro Lada soviético mal conseguia fazer curva a noventa graus nas esquinas. No turismo ganhava cem dólares por dia, seu salário mensal na fábrica.  

Falavam abertamente, exceto na fortaleza de Pedro e Paulo aonde mostraram as masmorras dos tzares, já que as da KGB nunca existiram. Flores apenas na tumba de Pedro, “O Grande”.

Era possível escolher um restaurante, mas a comida a mesma: ainda cara e ruim. A garrafa de vinho continuava sem rótulo. Na terra do caviar, caríssimo.

Mas, pelo menos o ar era agora respirável. Possível pegar taxi e andar pela cidade, ainda sem lojas. Claro que havia de visitar o hotel Astoria, elegante, e jantar melhor. Não barraram a entrada, nem pediram passaporte.  À vontade para escolher museus e programas artísticos.

Até a cerimônia de um enterro comove: o corpo descoberto na igreja sobre um andor elevado, poucas vozes no coro masculino, mas um trovão de emoção sonora. Familiares e amigos do morto, ex-educandos soviéticos agora persignados, religiosamente contritos a seu redor. Stalin, Lenin, Trotsky, Molotov, Beria, Malenkov, e tantos outros tolerariam tal decadência de costumes?

Uma revolução parecia eminente aos turistas. Certamente não mais o mundo soviético da era Nikita Khrushchov dos anos precedentes.     

São Petersburgo, verão 2016.

Volta-se levando uma caravana de amigos e parentes em voo direto a partir de Frankfurt.

O vendaval passara. E como! Não mais uma agência turística estatal, inúmeros hotéis à escolha do turista. Pribaltiyskaya, monstro favela-hotel, agora é Radisson. Cidade aberta como Paris, Berlim, Londres. Lembra Veneza com seus canais. Nas ruas carros Mercedes em vez de Ladas. Lojas ocidentais cheias de clientes. Programas turísticos de toda sorte. Come-se bem, as garrafas de bebida têm rótulos ocidentais e em cirílico.

Guia só justificada pela comodidade de lidar com a língua. Metrô, o mais profundo do planeta, até as plataformas por longa escadaria rolante assustadora; a cidade acima sobre pântano e argila; o metrô muito abaixo dentro da rocha, na profundeza.

A escola de moças da corte do tzar, Instituto Smolny, transformada em repartição pública, preservada exatamente como ocupada em 1917. Lá está o apartamento de Lenin: senta-se à sua escrivaninha sem cerimônia. O casal revolucionário levava vida espartana. Toca-se no velho piano de cauda usado pela elite: ótimo som.

No palácio do príncipe Yusupov, a morte de Rasputin cuidadosamente encenada com bonecos de cera ao tamanho natural e perfeita semelhança.

A TV, colorida, com canais do mundo todo. Não me recordo, nem saberia dizer se sob censura de Putin, o novo tzar.

O pitoresco cemitério do lindo mosteiro, ao final da longa avenida Nevsky, guarda os túmulos de Dostoiévski, Euler, Lomonosov, Suvorov, Mussorgsky, Glazunov, Borodin em sua tumba de pautas musicais e frascos de química, mais Rossi, o arquiteto italiano que fez a perspectiva de uma rua da cidade parecer uma praça, enfim, tantos nomes ilustres de uma cultura sobrevivente de tantas e terríveis intempéries.

E o que responde nossa guia e outros poucos que conhecemos? Era melhor ou pior antes?

-“ambos: algumas coisas eram piores, outras, melhores: havia mais segurança em nossas vidas; o custo eram a mentira e a falta de liberdade”! 

Flores cobrem além do túmulo de Pedro, outros recentes que guardam os assassinados Romanovs na catedral da ilha fortaleza de Pedro e Paulo.

As fontes de Petrodvorets não mais secas, jorram água exuberante. Hermitage tem agora banheiro moderno, ocidental, água e papel higiênico.

Como explicar aos amigos e família a aventura soviética? Confirmar que comunistas não comem criancinhas? Afinal, naquele Brasil um pouco antes os militares ainda praticavam outros hábitos: torturavam presos políticos. Parecido ou copiado dos porões da KGB? Tudo indica que nós e os russos progredimos muito, desde Lenin e Stalin, a Khruschov e finalmente Putin. Quanto a nós:  estaremos devidamente imunizados contra ditaduras?

A Rússia renascera das cinzas soviéticas, Fenix devidamente higienizada!  

Nova Rússia, novos russos, ou novos tempos?

Como foi possível transformação humana tão drástica entre 1986 e 2016? Em apenas 30 anos, mal se passara uma só geração, e trogloditas evoluíram a cidadãos de comportamento ocidental, em revolução sem derramamento de sangue. Tanto quanto sabemos nenhum decreto fora expedido do Kremlin para justificar a metamorfose.

Pelas mensagens televisivas que o mundo assistiu tudo ocorreu por geração espontânea. O sistema exauriu-se. Desabou como caem pedras em efeito dominó. Implodiu. Pereceu pelas próprias mãos num suicídio e ressuscitou em esperança de vida nova. As figuras grosseiras policialescas nem por isso foram confinadas como antes aos “gulags”! Não mais oprimidos, subitamente reaprenderam a sorrir. Pensei que houvessem desaprendido para sempre. Impossível imaginar tenham se submetido a uma educação nova e redentora em tempo tão exíguo.

Que misteriosas forças movem o coletivo humano? O mesmo coletivo que antes clamava “Heil” nazi-facista em paradas militares, rapidamente se transfigura no coletivo saudável de respeito democrático e liberdade. Também, o que saudava como ideal o capitalismo de estado, cede submisso ao capitalismo individual.

A realidade é que o mundo encolheu, melhor, foi encolhido pelas comunicações que expõem as mazelas das ditaduras e o conforto insubstituível ganho no exercício da liberdade. Nenhuma cortina consegue mais esconder tais moléstias das sociedades. Algumas fênix renasceram de crateras de bombas como Alemanha, Japão, Itália, Espanha. Sepultaram-se apartheid e colonialismo na África e Ásia. URSS e China mudaram rumos aderindo ao capitalismo, individual a primeira, de estado a segunda. Não há infelicidade eterna; mudarão Coreia e Cuba, questão de tempo. Felizes os que vivem esse tempo de mudanças. Quando chegará o nosso?

Curara-se a Rússia ou invadindo a Ucrânia ou foi recidiva dos velhos tempos? Como dizia Maiakovsky: ponha um revolucionário no trono do tzar e fareis dele um tirano.

2 comentários

  1. Eder, Que espetáculo!!
    Eu viajei junto.
    Mas fiquei curiosa pra saber se alguma vez você chegou a ouvir o disco do coro do exército soviético…

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