blog Clube dos Escritores 50+ Carlos de Castro Lápis de cor

Lápis de cor, por Leonardo Quindere


Não era muito dinheiro, ela podia comprar, tinha os seus guardados. Não era baratinho também, mas o menino merecia. 

Ia demorar pra poder usar, mas era um sonho aqueles lápis, vinham em uma caixa de metal com cada um desenhado na capa. 

O patrãozinho saberia fazer desenhos bonitos com eles, coloridos. 

Suas mãos agora duras não dariam conta de pegar num lápis, faltavam-lhe firmeza e  destreza. 

Aqueles tinham por destino as mãos finas e delicadas do menino que por certo já nascia sabendo e faria lindos desenhos. 

Quando pequena tinha vontade de desenhar, mas naquela época não tinha lápis, pegava um pedacinho do carvão sobrado do fogão e desenhava no chão. Desenhava bem pequenininho, para ninguém ver, ali ia pensando uma historinha, a mãe, o cachorro, a casa, as vacas. Logo tinha que fazer as coisas, não podia ficar muito nisso. A mãe gritava para ela fazer um serviço ou outro. Ora lavava a louça, ora cuidava da casa.

Sua mãe falava que os patrões eram bons e que não lhes faltava nada. Sua mãe contava com uma ponta de orgulho que tinha nascido ali mesmo, que a avó tinha sido escrava e que mesmo liberta, ficou. Para a avó o mundo ia até a porteira da fazenda. Ela já tinha ido até a cidade, melhor era ficar ali, teve um namorado chamado Tião que saiu no mundo atrás de gado perdido e nunca voltou. Ninguém falou nada, do Tião nem notícias, um dia ele volta. Será que o Tião morreu? 

Com os lápis na mão, lembrava essas velhas histórias, a avó, a mãe, a família dos patrões que vinham e partiam, contavam coisas bonitas, de outras terras. Gostava de ouvir as conversas, ali se satisfazia com as notícias da cidade grande,  com o desenvolvimento dos filhos do patrão que iam estudar longe. Se admirava com a coragem dos meninos que saiam no mundo. Eu não, pensava, tenho medo de me perder. 

Sentia se garantida, naquelas terras morreu a avó que fora escrava e a sua mãe, o seu destino parecia o mesmo, ficaria naquele chão. Melhor nem pensar! Sai pensamento ruim! Deus é quem sabe. 

Olhando no espelho viu as suas rugas, o cabelo branco estava ficando pouco, cada vez ficava mais fácil domá-los no coque. Agora era a empregada mais velha da fazenda, já não fazia muita coisa, mas estava ali. Só ela sabia fazer o leite quente no ponto que a patroa gostava. Primeiro queimava o açúcar até fazer um caramelo, depois jogava o leite. As empregadas novas chegavam e partiam, ninguém tinha a sua dedicação. Eram todas ousadas e salientes, sempre querendo aumento. 

Suspirou pra afastar tantos pensamentos. Tava velha mesmo.

Voltou os olhos para o laço de fita que enfeitava o pacote de lápis coloridos, deu um sorriso contido e foi entregar o presente pro pequeno que acabara de nascer.



5 comentários

  1. As cores do seu texto têm o gosto do arco íris que ,certamente, aparece por cima dos morros carecas após a curta chuvarada, nos finais de tarde na fazenda da nobreza paulista, a casa de contornos barrocos que ainda abrigava a senzala.

    Uma fazenda, destas de café do inicio do século 20, hoje certamente abandonada para dar lugar ao cultivo, à meia, da cana. Os herdeiros da grande cidade nao mais lembram da história gravada nas paredes da cozinha, o patrãozinho, hoje, afortunado do mercado financeiro da grande cidade.
    Nunca usou a caixa de lápis de cor que poderiam, eles sim, ter iluminado sua vida, HOJE!

    Um relato tenro de idos tempos, oculto a decadência da nobreza paulista que ainda sonha com os tempos servidos por escravos.

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