Quando o Professor Olavo entrou na sala, os alunos do fundão explodiram em uma salva de palmas. Fim de ano, último dia de aula, o mestre dizia adeus para mergulhar no vazio dos “aposentos”, leituras, dominó na praça. Ele tinha se preparado cuidadosamente para um discurso de despedida, certamente seria escrachado pela turma e a recepção o surpreendeu.
Era um homem volumoso, quase obeso mesmo, cabeça enterrada nos ombros, gestos largos, voz poderosa, mas em falsete, mais parecia um aboio no cerrado. Não usava gravata, por não ter pescoço, mas ainda vestia o terno escuro, seboso e antiquado, sempre aberto, pois já não tentava esconder a imensa barriga.
Sobre a mesa, amarrada com ridículos laçarotes de fitas de floricultura brega, uma caixa azul com seu nome em purpurina… Desconfiou. Por exigência do grupo, foi obrigado a abri-la: dentro, alguns pacotes menores embrulhados em papel de seda e um cartão assinado por todos – “Adorado mestre: para você nunca se olvidar de nós, seus adorados pupilos: maçãs, para você lembrar seu regime, chocolates para não esquecer que está proibido de comer doce (senão você explode), fita métrica para medir sua enorme inteligência que cresce a olhos vistos e até já escorregou para o andar de baixo – e a rolha escatológica, como você nos ensinou, para usar quando der e vier e necessário for…” Assim eram, e certamente continuariam sendo: criativos, invasivos, perigosos e muito rebeldes. Indomáveis! Aquilo não era uma classe de estudantes, era uma gangue de palhaços amotinados.
Após algumas preliminares, mergulhado em pensamentos controversos, começou a fala atento às reações imprevisíveis daquele bando de vândalos da pior qualidade: os inteligentes! Desejava-lhes “empreendimentos maravilhosos, sucessos, grandes negócios, trunfos e triunfos profissionais, conquistas e grandes vitórias,”– tudo que pudesse levá-los depressa para bem longe dali e esquecer que ele existia. Um sufoco! Pensamentos ocultos, obviamente, traziam alívio, mas a fala, como sempre, era dramática. Encharcado de suor, passava o lenço na imensa careca, medo de escorregar nas palavras e mais uma vez ser alvo de gozação. Assim, gloriosamente chegava ao fim. Enfim, ao fim de tudo!
A fala decorria magnífica, carregada de elogios aos dotes inegáveis daquela confraria de espertalhões, assim tentava se proteger. Esmerava-se. O silêncio indicava que desta vez o sucesso já era seu. Num último gesto melodramático, gesto de palanque político baixo clero, parou, olhou-os demoradamente, braço direito suspenso no ar, o esquerdo, mão espalmada no peito, ambos retóricos, segurando o silêncio, e, num tom emocionado,– com mal intencionada ironia – silabou cada palavra do clichê com veemência: “É com lágrimas nos olhos, é com o coração apertado que eu lhes digo, meus queridos e inesquecíveis alunos, Adeus! A Deus!”
Pausa suficiente para a magrela do fundão se levantar e, copiando os gestos do mestre, e nos mesmos timbre e tom, dizer: “Professor Olavo, querido professor! Nós também nunca o esqueceremos! Você é, sem dúvida nenhuma, e será sempre, a cabeça mais brilhante desta escola!” soluçava em seco...
Palmas e gritos novamente explodiram durante alguns minutos e ele saiu da sala quase carregado, enxugando a careca em bicas.
O pior!… O pior… é que ele amava muito aqueles malucos…
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Meu pai era um emérito contador de causos, histórias vividas ou presenciadas por ele. Após a refeição, nos aprisionava à volta da mesa apenas com sua retórica mágica. Sempre foi o grande provedor de livros desde minha infância, um incentivador de cultura que nos abriu caminhos para o prazer da leitura.
E eu, muitas vezes ao sair dali, procurando copiar aquela tonalidade lúdica de um encantador de serpentes, como via nele, me propunha a recontar para meus amiguinhos histórias que me emocionavam, livros que lia, filmes a que assistia nas matinês infantis.
Mais tarde percebi que alguns racontos eram fragmentos de vida com todas as características de um conto. E aproveitei-os, sem constrangimento pela “invasão de privacidade”, mas com a emoção da empatia, da paixão, sem nunca identificar protagonistas verdadeiros nas mágoas e frustrações de meus personagens.
Escrever é pintar com palavras: escrever é pintar, é fotografar, é captar momentos e concretizá-los em palavras e em textos. É criar imagens na percepção interna do leitor.
Escrever nos faz melhores leitores. Criar personagens é penetrar o misterioso mundo do outro, do diferente, não só compreendê-lo, mas ser capaz de amá-lo. Com empatia. Escrever certamente nos leva a ampliar o conhecimento da psique humana.
Existe um artista em todas as pessoas sensíveis; nem todas produzem Arte, mas são também artistas porque capazes de se emocionar com a Arte que outros produzem ou praticam.
Livros publicados:
- A Arte de Escrever Histórias, Editora Manole, 2010
- Era uma vez um gato xadrez, Escrituras Editora, Literatura Infantil em 3ª edição
- A Mesa, Arranjo e Etiqueta, Manole Editora, 9° edição 2010
- Marketing Pessoal, sua Importância para o Desenvolvimento Profissional, in Manual do Secretariado Executivo, Editora D’Livros
- Nós, o gato e outras histórias, coautora, Contos, Miró Editorial, 2012
- Inventário das sobras, Escrituras Editora, Contos, 2015
- Está na mesa, CD, edição da autora 2014
- Aconteceu no Vale do Paraiba, coautora, contos
- Disco de cartolina, poemas, Editora Pólen, 2016
- Cento e oitenta graus, org. coautora, Editora Pandorga
Esther, se ainda está pensando se deve ou não entrar no nosso clube, saiba que será muito bem vinda.
A história do professor me emocionou. Já vivi está situação, jovens cheios de hormônios, explodindo em manifestações ruidosas, alegres e inesperadas.
Se você tem mais histórias pra contar, conte pra nós, pois adoramos boas histórias.
Esther, endosso as palavras da Sylvia quanto ao ‘bem vinda’!
Gostei muito — inclusive do ‘jeito’ como vc manipulou as emoções dos leitores… rsrs…
Oi minha tia querida Esther.
Aqui é a Mariángela filha de sua amiga Neyde ensua afilhada de Crisma.
Vc está bem
Tenho MTA saudade de vc…
Se puder me dá um alô
Bjos