Brasileiro, jovem, fazendo curso de regência em Budapeste chega ao ensaio: La Valse de Ravel. Orquestra de estudantes húngaros, naturalmente. Com sua língua inexpugnável.
– No, nien, nouw, sei lá! Takeuspa! No és isso!
Meu Deus, como me fazer entender por esses caras?
– Le acent, not right, accent is different. Comprendez vous? Understand me?
Parece que entenderam que está errado, que precisa mudar. Mas como vou transmitir o que quero que façam? Vamos de novo. Começar do começo.
– Atention, please!
Ravel criou uma valsa, digamos, nervosa, ilusoriamente dançante. Agitação sutil que vai crescendo, angústia inevitável que vem da imensa destruição da 1ª. Guerra, época em que a peça foi criada. A orquestra tem que trabalhar essa agitação até a explosão final.
– Again, again! De novo!
– Tammm-tam-tam / Tammmm-tam-tamm. Not TAM/tam/tam. Tammmm-tim-timm. Emendez! Emendez! Legatto, é, é! Yes! NO,No! Menos…
Muitas mímicas, caretas, voltas e paradas depois a dinâmica estava melhorando, mas faltavam sutilezas, o cruzamento das melodias. No desespero, o regente acaba soltando fala em português.
– Puta merda! É mais interligado, contínuo, junto. Is Ravel not Strauss!
Uma violinista riu.
– What´s happen?
– Maestro falou palavrão. Desculpe.
– Como assim, você fala português? Que beleza!!!
Uma húngara que entendia e falava nossa querida última flor do Lácio. Promovida instantaneamente a tradutora. A pátria salva!
Hoje, muitos compassos depois, nosso regente recorda feliz do dia em que conheceu Szilvia e, de quebra, descobriu novas melodias húngaras.
PS: Para quem quiser ouvir uma bela interpretação de La Valse:https://www.com/watch?v=p8kZMkctWjs
Prezado Carlos, seus textos são como músicas agradáveis e boas de ouvir. Que o maestro das notas e letras continue em ação.
Que delícia de texto, Carlos! 🎶