Intimidade,
por Sylvia Loeb

 

 

 

Ela gostava de escrever. Precisava. Mas a mãe bisbilhotava suas gavetas à procura de alguma coisa que a filha não podia falar. Como dizer o que ainda não tinha palavras? E se tivesse, talvez não quisesse dizer.

Em papéis soltos, que dobrava em dobraduras infinitas,

Escrevia, escrevia, escrevia…

A mãe remexia os papelinhos , o que é isso menina, quanta bobagem!  

Ela, então, queimava os papelinhos, escrevia e queimava.

Precisava de um lugar só seu onde pudesse escrever o  que ainda não tinha nome.

Já mocinha, começou a escrever nas mesas dos cafés; pedia um café, água, mais café, mais água e passava horas escrevendo. Tinha um lugar, uma morada – o papel .

Quanto mais escrevia, mais tinha o que escrever. Depois de uma jornada – tudo exumado- , caía exausta: Escrever é mastigar pedras.

Gostava de escrever à noite, na solidão, mas não podia, a mãe, sempre a mãe…

Precisava ter recursos para arcar com um espaço próprio, uma mulher  deve ter dinheiro e um teto todo seu se quiser escrever em paz.

Um canto preservado da curiosidade alheia, um lugar de proteção de suas particularidades, onde escrever suas cartas, seus diários guardados no fundo da gaveta, fechados à chave. Em segredo,  suas experiências de mulher, onde a presença de qualquer outro seria insuportável.

Casou-se, Ela casou-se, finalmente! disse a mãe. Agora vai parar com essa bobagem, mania de se isolar!

Com o casamento veio o quarto conjugal, que não tolera  privacidade.

Abandonou os diários,  as cartas, o lugar de refúgio e isolamento.

A intimidade conjugal exigiu sua renúncia, ameaçou a necessidade de segredo.

Não poderia mais ter pensamentos secretos.

Não poderia mais escrever seus textos e guardá-los para si.

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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!

 

 

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