Fazia tempo que não chorava. Muito tempo. Parei diante do quadro da minha mãe, aquele quadro que tem sido minha única mãe desde os meus 20 anos, e chorei. Olhei fundo nos olhos dela e vi os meus, tristonhos e ao mesmo tempo quase alegres. Solitários. Eu assim tão só, pensei na música. E chorei. Bem baixinho. Imaginei a solidão que minha mãe deve ter vivido. O abraço que não dei. O abraço que queria poder dar agora. O abraço no vazio. Mas não estou triste – ou especialmente triste. Carrego tristezas. Eu as mantenho quentinhas, em lugar abrigado. Não quero que sofram. Minhas tristezas já passaram. Tenho apenas as cicatrizes, pequenas gavetas onde dores repousam, sem jamais partir. São minhas, talvez as únicas coisas absolutamente minhas. Marca do meu caminhar. Mapa da minha vida. E são dores que não doem mais. Elas flutuam dentro de mim e às vezes mordiscam aqui e ali. Alertam alguns sentidos. Me provam viva.
Hoje eu chorei. Porque estou com medo, um medo saturnino, de casa 12, sem nome nem endereço. Medo do que desconheço.
E se eu contar para alguém que estou com medo, alguém tentará me consolar quando não há necessidade de consolo, mas de viver esse sentir que não sei bem de onde vem, mas sei que é meu.
Hoje eu chorei!
Que delicadeza, Regina! Também olho para minha mãe que vive há mais tenho no porta retrato do que viveu comigo. E senti lá no fundo da minha alma ess tua fala: “..e são dores que não doem mais, elas flutuam dentro de mim…”
Obrigada, não tenho Saturno na casa 12, mas sei bem o que é sentir-se nesse lugar.
Beijos
Obrigada Lilian,
no raso e no fundo todos nos parecemos nos sentires, ne?
beijo
Regina, o seu texto me comoveu, como me comove as coisas lindas da vida.
obrigada pela leitura, José.
bjs
Que é essa belezura? Uma prosa poética? Um poema em prosa? Não importa. É a expressão viva do amor, dor, angústia, paz, tudo misturado como costuma ser, pulsando e pungente. Emoção vertida em palavras-lágrimas. Sublime, Regina!
obrigada, Luciano, pela leitura e pelas suas palavras.
bj
Regina
Um choro de amor e saudade, isso nos mantém de algum modo preenchidos quando a falta aperta. Lindo
Dores que flutuam, não doem mais, atestam a vida. Palavras lavradas dá mais pura poesia. Lindo!
Eu adorei o texto. Comecei a ler sem compromisso e quando me dei conta não estava chorando mas quase , e voava com rapidez pelos entremeios da língua e dos sentimentos . Quase chorei, sim, mas já é uma outra história, sou chorona, não sempre, mas hoje sim!
Lindo Regina! Me emocionei e me identifiquei demais com esse texto cheio de poesia.
Muito poético, triste e ao mesmo tempo cheio de sentimentos e de dores que não doem mais.
Eu também vivi um abraço que não pude dar. Quis dar, mas circunstâncias muito tristes impediram.
Muito obrigada por palavras tão lindas e que tocam o mais profundo da alma ❣️
Dores guardadas com carinho, só nossas, para não serem compartilhadas. Já foram vividas, de outras formas, em outros tempos.
São as depuradas, fundas cicatrizes que não doem mais, só beliscam, como você diz.
Belíssimo, Regina.