Clube dos Escritores 50+ Lilian Kogan Rosh Alice in the Wonderland/ IMagem gerada por AI

#históriasparacontarparaosnetos
Alice no País da Alice

Era finalzinho do dia. Recostadas em uma imensa árvore, eu e Alice liamos a história de Alice no País das Maravilhas. Meio sonolentas de tantos afazeres do dia, quase adormecendo, vimos correr na nossa frente o coelho maluco com seu despertador na mão dizendo estar atrasado. Olhamos arregaladas uma para a outra e lá pelas tantas, não sabemos quando, começamos a segui-lo.

De repente, estávamos dentro do livro. Eu, boquiaberta, e ela totalmente confortável em seguir por onde já passara tantas vezes nos últimos anos. Eu, perdida na memória que pouco ajudava a lembrar por onde ir, e ela segura, conversando com os personagens pelo caminho.

Dona Lagarta fumava seu narguilé, sentada numa imensa vitória-régia. Quando achei que devia explicar o que era – os adultos e suas manias de explicar tudo – ela me puxou pelo braço dizendo: Vem vovó, não há tempo a perder.

Eu andando atrás dela encafifada com essa fala.

Andávamos por alamedas floridas que pareciam bosques com as flores lá no alto. Paramos numa encruzilhada. Eu tentava achar a saída quando ouvi: Vem vovó, é por aqui.

Ela resoluta seguia pelos caminhos revisitados com frequência.

– Não vovó, não vamos para esse lado, é perigoso.

– Mas aqui diz para irmos…

– Vovó confia em mim: esse é um lugar que só as crianças podem conhecer.

E ela tinha razão. Chegamos a um lago imenso.

– Temos que pular, vovó.

– Pular, Alice? Como assim? Minhas pernas não alcançam a outra margem: lembra do meu problema no joelho?

– Vovó, me dê sua mão, vem comigo. Não tenha medo.

Um, dois, e…estávamos na outra margem.

Fui sentindo uma alegria que há muito tempo não lembrava sentir.

Entre bichos distintos, raposas falantes, cogumelos gigantes, eu via uma garotinha que conhecia tudo e todos pelo caminho.

Depois de muito andar, já cansada eu disse:

– Alice tá tudo lindo, mas estou cansada. Tudo isso é para chegarmos na festa da Rainha de Copas ou para fugirmos dela? – falei me sentindo importante por lembrar da história.

– Ai, vovó, não é nada disso. Vem por esse túnel feito de um labirinto em espiral. Não precisa ter medo.

Quando caímos no túnel eu fiquei temerosa. E não é que lá embaixo, após atravessarmos o labirinto feito de tulipas amarelas, vi um reino todo feito de cristal? Alice me disse:

– Chega mais perto, vovó, e olha as poltronas onde estão o rei e a rainha.

Meus olhos não puderam crer no que viram: meu pai, minha mãe e minhas avós!

Alice sorria com a sabedoria de quem nunca perdeu a conexão com o divino.

Eu não conseguia me mover.

Ela pegou minha mão e me levou até eles, que já estavam em pé, me aguardando há mais de quarenta anos para um abraço sem fim. Meus olhos marejaram.

– Agora vai lá, vovó, e traz mais histórias pra gente. Vai lá, vovó, porque hoje você é a protagonista da nossa história.

Não sei em que momento eu acordei. Só sei que Alice estava ao meu lado, fazendo um quebra cabeça no celular. Olhei para ela emocionada querendo que a magia que morava nela também morasse em mim.

– Sabe, Alice, é uma pena a gente esquecer tanta coisa quando crescemos. Foi tão lindo viajar por esse sonho!

– Ah, vovó, esse sonho é bonito porque mora dentro de você. É só lembrar! Os adultos querem explicar tudo que acontece. Não precisa disso não, vovó.

Levantamos e fomos caminhando de mãos dadas em direção à minha casa. Um pouco antes de entrar no prédio, uma senhora com um rosto familiar se aproximou de nós e nos ofereceu uma tulipa amarela.

Nós olhamos e eu agradeci emocionada.

O mundo se torna encantado quando nos deixamos guiar pelas mãos de uma criança.

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