Cansada, sempre cansada, mais um dia no escritório do tabelião em que era apenas um número a compilar os documentos que iriam para despacho em escritórios de advocacia. O filho de sete anos, esperto como ele só – de onde saiu esse menino? – quando descobriu o termo, proferiu, após consulta ao dicionário comprado com módicas economias: “todos os atos praticados no curso de um processo ou de um procedimento que não possuem conteúdo decisório. Os despachos apenas ordenam a realização de determinadas providências, para dar seguimento ao feito”. Palavras que o garoto enunciava uma a uma, com solenidade, procurando captar seu sentido e alcance.
Semanas depois o menino, entusiasta, anunciou: despacho é também uma oferenda religiosa, mas que, corretamente, seria entrega. O pai, indiferente, se serviu de um copo de cachaça. A seu modo, despachava as raivas. Ela cultivava esperança, avistando futuro promissor para a criança que havia gerado.
Noite de Natal, indo para casa com um embrulho encobrindo um carrinho de corrida, deleite do pequeno que os colecionava. Divagava. Os sonhos de moça festeira se desembrulharam sem encanto, restando deles o osso desprovido de tutano. Somente o aceno de uma vida melhor para o filho ainda a sustentava.
Do companheiro, nada esperava, embrutecido pela dureza de batalhas invencíveis, não falava mais, grunhia, bebia e dormia, fechado em quimeras monstruosas que repetiam constantemente seu fracasso. Barba malfeita, cheirando a álcool, vestes desgastadas, chinelos, jantavam em silêncio antes de se deitar, para acordar nos dias repetidos, tão desgastados quanto roupa velha.
Caminhando na rua, abaixo, buracos, à frente, um horizonte brumoso. Perto de sua casa ergueu o olhar e viu, no alto de uma árvore em contornos de nankin, brilhar uma estrela, que cintilava no céu. Abriu a porta, a sala estava iluminada com lâmpadas novas, a mesa posta, o filho com camiseta recém ganha do time que torcia. O marido cheiroso, exibindo paletó e camisa branca. Ele, com um ramo de flores, a abraçou.
UM MILAGRE DE NATAL
COMO NATAL DEVE SER:
UM MILAGRE ACONTECER.
MUITO LINDO!