#históriasdaBlanche
O DROMEDÁRIO BAILARINO,
Blanche de Bonneval

Estava subindo a avenida Charles De Gaulle, a maior artéria da capital chadiana N`Djamena, quando vi, de repente, um enorme dromedário aparecer na minha frente, saído do nada. Ele estava babando muito e literalmente dançando, dando voltinhas, cruzando as patas, escorregando no asfalto e dando saltos, antes de cair, levantar e recomeçar suas piruetas.

Fui dando ré devagar, sempre mantendo uma boa distância do animal que, entre seus giros e escorregões, se aproximava de mim. As pessoas pararam para ver este espetáculo insólito.

Numa hora, eu vi no meu retrovisor que não ia poder mais recuar: vários carros haviam chegado e parado atrás de mim. Os motoristas, distraídos, não se tinham dado conta do que estava acontecendo. E o dromedário continuava sua progressão descoordenada na minha direção.

E subitamente, deblaterando bastante, pareceu se firmar mais nas patas e avançou no meu carro. Não podia mais recuar, isso era evidente. À frente, estava o dromedário bem no meio da rua. Do meu lado esquerdo vinham carros no sentido oposto, à toda velocidade. E à direita, havia um pequeno espaço entre o animal e as armações de madeira da calçada, onde os comerciantes exibiam os seus produtos. Eu ainda estava pensando no que ia fazer quando ouvi uma voz forte, firme, que gritava:

Blanche! Saia agora pela sua direita! Dá para passar! Acelera agora! Rápido! Eu conhecia essa voz que me acalmou e imediatamente, acelerei e passei, quase que raspando no dromedário descontrolado, com duas rodas do carro na avenida e as outras duas na calçada.

Enquanto isso, o dromedário continuava sua dança patética com os olhos esbugalhados e a boca aberta, cheia de espuma. No momento em que o ultrapassei, ele avançou de novo no meu veículo. Desta vez ia ser complicado eu me esquivar dele. E de repente, ouvi um tiro e o animal se estatelou na calçada com um barulho seco e lá ficou, agonizando.

Encostei o carro e saí dele, meio trêmula, para ir agradecer o dono da voz que me salvara. E me deparei com meus dois amigos militares Maidê Hisseini e Djiddi Adoum, este último com sua arma na mão.

“Vá para casa, “a mulher”, me disse Djiddi, enquanto guardava a sua arma. “Iremos ter mais tarde com você e lhe explicaremos o que aconteceu. Isso aqui dentro de cinco minutos, vai estar fervilhando de militares e policiais e não quero você aqui.”

Agradeci muito o meu amigo pela sua ajuda e fui embora.  À noite, os dois homens vieram me ver. 

Fui fazer chá, coloquei bolinhos diversos e tirinhas de carne temperada numa bandeja e fui servir os meus hóspedes.

“Minha amiga”, disse Maidê. “Este dromedário bailarino que Djiddi abateu, estava drogado. Agora que os controles de fronteira ficaram mais severos, os traficantes de droga estão tendo mais dificuldade para entrar sua mercadoria no nosso país. Então eles usam dromedários como mulas. Fizeram engolir àquele pobre animal um grande número de saquinhos de cocaína, só que um deles – talvez mais – estourou no seu estômago e ele ficou alto. Depois de sua partida, levamos o corpo do animal para o quartel Camp des Martyrs onde abrimos a sua barriga: encontramos lá dentro um grande número de saquinhos intactos de droga. Prendemos o homem que o conduzia e esperamos, brevemente, estar em medida de prender a quadrilha toda que atua aqui dentro do país. Este fenômeno está ocorrendo com cada vez maior frequência pois é uma boa maneira de ganhar dinheiro para militares desmobilizados ou pastores profundos conhecedores dos caminhos que ligam o Chade aos países vizinhos, nomeadamente o Sudão.

Sorri divertida: nunca tinha imaginado me encontrar rodando na maior artéria de uma capital africana e ser atacada por um dromedário drogado. …

11 comentários

    1. Obrigada pela dica Aurea querida. Vou pensar no caso. Se gosto de escrever histórias, também gosto de conta-las. Um beijão.

    1. Muito obrigada Carlos Fernando pelo comentário.. Vou realmente ter de pesquisar isso. Histórias e que não faltam
      Falta certamente mais maneiras apropriadas de contá-las. Um grande abraço.

    1. Pois é. A imaginação pode ser muito fértil tanto para o bem quanto para o mal. Confesso que o dromedário e a mula ideal por la pois tem um papel determinante na vida de todos os dias. Ele é que nem o zebu malgaxe: aproveita-se tudo dele e ainda exerce várias funções. Um abraço.

    1. Desculpe a demora em responder Silvia querida. Muitas pessoas estão me falando isso é pretendo realmente explorar melhor esta pista depois do lançamento do meu livro que, espero, sera na segunda quinzena de junho, na loja de um dos meus melhores amigos na rua João Cachoeira. Um grande abraço.

  1. Blanche, eu leio seus relatos sempre entre pausas de respiração. Coitado do dromedário, que se no início me causou medo, no final tive muita do.
    Eu tb amaria que vc tivesse um podcast para ouvirmos suas histórias. Pense a respeito.
    🤍🤍🤍

    1. Querida, como disse a Sylvia, vou analisar esta história de podcast no mês de Julho após -espero- ter lançado meu livro na segunda quinzena de junho. Se tudo correr como espero farei um post especial sobre o assunto com a minha cúmplice no INSTAGRAM, a jornalista Neide Martingo. Devo ter respostas definitivas amanhã. Beijões carinhosos.

  2. Adorei. Não tem coisa mais alegórica do que um camelo ‘doido’ dançando no meio da rua. Delícia de história. Delícia, também, de memória de amizades! O que seria de alguém diante da loucura, sem amigos para salvá-la? Linda lembrança.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *