Acordo essa manhã com uma imagem gravada: estamos travando uma guerra com soldadinhos de chumbo. Aqueles que alinhávamos no tapete da nossa casa, os dois lados no combate, vermelhos e azuis, uns contra os outros, concretos. Hoje não mais de chumbo, os soldados são figuras invertebradas – sem estrutura humana – que lutam ferozmente contra o Mal. Não travam uma luta patriótica, travam uma luta colorida para ser brincada como se fosse real: a guerra dicotômica entre o Bem e o Mal.
Nossa luta contra o COVID já dura mais de ano e não parece que chegaremos a um acordo de paz tão cedo, é dramática! Dramática porque nos deixa sem informação crível de como ganhar a batalha contra o inimigo comum. Recebe-se apenas notícias do front que soldados ao nosso redor estão tombando um a um, sem mais lados, cor, condição econômica e crenças. Nos deixa apavorados a possibilidade de sermos o próximo a cair ferido ou morto.
O Comandante? Não sabemos onde se esconde! Certamente não está no comando do seu exército! Sua tenda campal está defendida por forças obscuras, corruptas moralmente, longe de ter a percepção do drama cristalino em que vivem os soldados no campo de batalha. Acabou o estoque de penicilina para os feridos que morrem como moscas.
As informações dos soldados que voltam para casa, entre outros ferimentos, é que uma bala perdida os “pegou”. Consta que a contaminação pelo COVID é como uma bala de prata perdida.
Uns, embora estejam lado a lado com o infectado, não “pegam”. Outros passam tão mal e já são internados imediatamente na esperança de não serem entubados. Outros passam muito mal, mas os médicos pedem para ficarem onde estão, em casa. Um reclama de dor de barriga, outro de cabeça, outro de dor no corpo ou tudo junto e mal explicado. Os médicos sobrecarregados tornam-se mal-educados, tantas são as vítimas e mais tantas as perguntas dos doentes via celular.
Há quantos dias estou com COVID? Como foi que peguei? Mas eu me cuidei tanto! Quanto tempo demora até eu sentir os primeiros sintomas? Cada pessoa tem uma história para contar. Quantos dias depois do início dos sintomas deixo de infectar os outros? É a pergunta mais corrente. Mas o médico volta com outra pergunta, impossível de responder: há quantos dias você acha que pegou? Ainda senhor dos nossos sentidos, corremos, então, para fazer o teste.
Pessoalmente, tive uma experiência que não entendi. Ao me identificar, como paciente e ou cliente para fazer o teste, a moça de branco e luvas me informa: temos três testes: um custa R$ 250,00 e fica pronto em duas horas, mas a garantia é de 97% de chances de acerto. Outro custa R$ 325,00, também fica pronto em duas horas, mas com 98,8% chance de acerto, e temos ainda o teste que custa 420,00 com 99,9 de exatidão, mas só fica pronto em 24 horas. Fiz as contas dos riscos e custos. Fiquei com o exame de R$ 325,00 tanto era a pressa em ter certeza de que não fui atingida por dois raios: a miséria de quem não pode se permitir a escolha, e, sobretudo, com o critério adotado pelo laboratório, ou seja, não importa quanto eu pague, o resultado não é 100% seguro? Juro ser verdade!
Duas horas depois, o resultado chegou via internet o temido resultado: detectado! A primeira sensação daquele que “pegou” o corona é sentir-se um leproso, exterminado do convívio humano. Uma sensação de falta de ar puro na atmosfera, acompanhada do medo! Do desalento! A perspectiva da solidão! A pior de todas as percepções é: estou doente e o mundo está bem, sou a única contaminada – mesmo ciente que não é esta a verdade. A raiva impele que se deseje que os “outros” também “peguem” o vírus!
Os amigos ficam preocupados, ávidos por notícias e informações mais confiáveis do que as lidas nos jornais. Boletins diários são trocados. Uma benção: não estou só! O carinho transborda, chega e comprova que somos amados. Mensagens de parabéns quando o vírus não atacou como se teme: feroz! Veio fraquinho, até imperceptível…
Enfim… que lado ganhará esta guerra?
O exército azul (nós) ou o vermelho (eles)?
Não creio que alguém tenha esta resposta na manga da camisa. Falta muito pano pra manga!
Nossa, Bettina, quantas coisas! Graças a Deus você está aqui conosco. Vocês. Nós juntos. Que tempos! Tempos de sustos. Passo os dias torcendo. Rezando. Por todos. Muito importante você falar conosco, como falou. Gratidão. Cuide-se! Estou me cuidando. Gosto quando dizem: cuide-se
Uau, Bettina, sempre com seus relatos fortes. Fiquei presa o tempo todo no texto. E acho que parei de respirar quando você diz que desejou que outros também pegassem o vírus. Baita texto forte e verdadeiro.