Gênesis

Sou todo começo,

Mais o meio e fim

E jamais concebo

Corpo feito sem mim

Mas crédito recebo

Pelo que inventei

Porém nunca sei

Aquilo que criei

Dando-lhe partida

Comando toda vida

Sem que nesta lavra      

Saiba falar palavra

Mas me empenho

Por meu engenho

Mesmo sem ouvir

Ou sequer sentir

Depois que inicio

Às vezes tropeço

Mas não me desvio      

Vendo como cego

E o acaso não nego

Se mudar por fim

O que veio de mim

Que levo e entrego  

Abro-me se exigido                  

E sendo benevolente

Contorço-me despido

Copiando-me persistente      

Quando aí me desdobro

E a compor não cobro

Fazendo-me semente

De todo fruto nascente

Sei sou insignificante

Mas comando a célula

Desde a ínfima libélula

Até o gigante elefante

No ar, no mar, na terra

Há muito reconheço

A vida inicia e encerra

E nela eu permaneço

Ignoro se fabrico sensatos  

Tolos, sábios, mentecaptos

Irresponsáveis por meus atos  

Causo tudo, nunca esmoreço

Sigo direção, sem endereço

E em meus códigos mereço

Guardar contido o segredo

Que origino e não esclareço

Quando um ser eu faço

Da espiral me desfaço        

E sem repousar instante

Transmito-me constante

Corpo que me hospeda        

Ao procriar me delega       

E com o que fiz pereço

Mas esse fim mereço       

Pertenço ao que é ele

Sem que se possa nele

Reconhecer quem sou

Pois canto de mim não soa

Como do pássaro que voa

Mesmo insignificante assim

De ave som que ressoa

Surgiu apenas de mim

Em letras sou formado

No livro por mim herdado

De longo perdido passado

Transmitindo seu recado

Todavia teço e invento

Sem conhecer o intento

Nem mesmo o caminho

Conduzido de meu ninho

Simples átomo sempre fui

Oculto no que me envolve

Criando o que se move

Até findar o corpo que rui

Mas nessa insignificância

Nunca mostro arrogância

E em tempo algum nego

A mensagem que entrego

Resisto ao calor escaldante

Ao frio extremo sou tolerante

Forjo com esmero e cuidado  

O corpo a me ter hospedado

Com vigor desde sua infância

E não importa a circunstância   

Surge ele, completo, sem jaça

Com todo rigor, viço e graça

Às vezes algum intruso

Insere letras em meu uso

Criando-me novo letreiro

Desarrumando-me inteiro

E nele me leva prisioneiro

Transformado em mutação

Resulta daí só indagação

Se gero caos ou evolução

Mas se tramo novo ente

Livre de inconveniente  

Que apto se fortalece

Isso muito me enaltece

Ao surgir cada geração

Grata permanentemente

A manter longa tradição

De copiar-me totalmente  

O acaso pode dar certo    

Mas se copiado incorreto

Promove descalabro direto

E até elimina o hospedeiro

Mas se melhorar o produto

Obtendo profícuo herdeiro

Serve como salvo-conduto

Que me leva bem faceiro

Sem saber o que produzo

E do que de mim se faz uso

Trago de remota antiguidade

Garantia de plena utilidade

Sem conhecer minha idade

Ou saber se nasci primeiro

Se me antecedeu pioneiro

E se cheguei à maioridade

Percorro sem receio

As letras em passeio

Repetido sem rodeios

E não amo nem odeio

O que de mim veio  

Mantendo-me mudo

Porém quando lido          

Faço de vida tudo

Sócrates e Aristóteles

Falaram de mim eles

Até Lamarck me molestar

Mas Darwin deu o recado

E Mendel me fez cultivar

Nas ervilhas de seu pomar

Para Morgan me desvendar

Em cromossomo instalado

Surgiram Beadle e Tatum

Restringindo-me em só um

Gene mesmo que mudado

Assim brotou Oswald Avery

A provar eu tinha logo a ver

Como mensageiro herdado

E Franklin, Watson e Crick

Revelarem-me desnudado

Rompendo chave do cofre

Daquele núcleo tão nobre

Fez-se então feliz a ciência    

Quando tomou consciência

Do berço que desconhecia   

Pois então não se sabia

Como vivo enclausurado

E rejo o mundo habitado

De letras livro escrevi

Em frases com sentido

Embora lido, jamais li

E se meu código vivido

De hereditário chamado

For algum dia olvidado

Garanto vida não haverá

Porque me chamo DNA

__________________________________________________________________________________________

EDER C. R. QUINTÃO – É graduado em Medicina pela Escola Paulista de Medicina desde 1959, doutor em Endocrinologia, comendador da Ordem do Mérito Científico pela Presidência da República do Brasil, livre-docente de clínica médica, professor, pesquisador, membro da Academia Brasileira de Ciências e avô orgulhoso de três netos. “São o mais importante feito do meu CV”, segundo ele. Escrever não entra no CV, é paixão.

Um comentário

  1. Beleza de DNA esse o seu!
    Escondido, discreto, modesto, comanda tudo e escreve como ninguém!

    Uma amiga, que leu seu DNA, me escreveu:
    “Fui ao Fifties e li os versos DNA, que achei fantásticos!”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *