Blog Clube dos Escritores 50+ Bettina Lenci Baleia

“FIZ PORQUE AMEI”, por Bettina Lenci

Muitas das passagens do impactante filme A Baleia embutem o não dito, razão pela qual o principal personagem, merecidamente, ganhou o Oscar.  

Saí ouvindo muitos comentários de que o filme, A Baleia, era horrível :  “Não gostei” “um absurdo!”

Suponho ser justamente o repulsivo –  filmado – que nos faz sentir isso!

Mas eu não vi assim: 

Saí do cinema perplexa pelo que o filme tem de inusitado ao trazer algo do grotesco que habita nossa realidade humana.  

A história se desenrola em um único e lúgubre ambiente, como no teatro. 

Logo,  na primeira cena, o personagem principal se masturba. (De fato, assistir um homem grotesco e  imensuravelmente gordo em sua intimidade incomoda a qualquer um!)  

Talvez, a  intenção  de  chocar visualmente seja a razão de nem todos gostarem do filme, que segue, intranquilo, em frente. 

No caminho de casa, minha reflexão passou para o sentido que se dá  ao politicamente correto e não correto. 

O filme poderia explorar o politicamente incorreto ao nos apontar “o errado” sobre o processo de engordar e daí, recair, ou  no problema de saúde emocional, ou sublinhar a fraqueza do gordo,  aquele sem controle sobre si, repulsivo ao grotesco.  

(Não deixa de ser uma clara crítica  ao  politicamente correto reivindicado pelas “ baleias americanas”na sua condição de gordos felizes).  

O título A Baleia, designa um animal mamífero. Talvez a intenção seja nos dizer que somos todos iguais frente à uma dor insuportável: a morte de um companheiro que se amou, entregando-se a comer, comer, comer, desenfreadamente, para alimentar essa dor. O homem baleia sabe que sua saúde está em risco, mas quer morrer. Qualquer tentativa de ajudá-lo é inútil .

Digno de nota, a passagem da gaveta abarrotada de chocolates: esta cena  insinua que ele está consciente do mal que causa para si, pois vai comê-los, mas devolve-os à gaveta e a fecha para depois abri-la e , sim, comer o chocolate.  Acredita que alimentando a dor, ela se acalma e melhora sua  angústia!  

Ali vemos, com crueza de carne viva, a última condição humana de um SER. 

Sabemos todos que  não empatizamos com o estado d’alma de um comilão. E, talvez, aqui reside outra denúncia: a intolerância ao que não é igual a nós.

Nossa bondade vai até a avaliação, complacente, de que “ninguém é perfeito”!  

O homem baleia é um homem culto . Professor de literatura online, generoso com seu saber e que deseja transmiti-lo  aos alunos. Continuadamente, enquanto ensina, insiste ser necessário ter coragem para  encontrar o seu lugar ao escrever e,  para reforçar tal convicção, afirma mais de uma vez que seus alunos precisam “ser verdadeiros consigo mesmos”. Portanto é possível deduzir que ele  está sendo verdadeiro consigo mesmo ,  – e esta seria a prova final do filme – ao  se desnudar  perante os seus alunos. Desnuda o grotesco ao se apresentar de corpo  inteiro a eles.  (Durante todo o filme a tela  permanece negra, até este momento, os alunos só ouviam a sua voz).    

Qual a  história do filme?  

O homem baleia larga a mulher e a filha para ficar com um homem , justificando-se,   “fiz porque amei”. A meu ver,  esta frase faz eco com  sua afirmação:  “ser verdadeiro consigo mesmo!  

O moço que chega com a bíblia  quer salvar a baleia através do “Deus é nossa salvação”. Contudo o roteirista acaba nos informando ser essa uma mentira:  o moço não foi salvo por Deus e sim pela filha da baleia. ( aqui também uma possível  denúncia às organizações religiosas, americanas, pentecostais.)  

A enfermeira faz o papel de amiga,  irmã do amante da baleia.  É autoritária e rude com o personagem e  ao mesmo tempo condescendente e amorosa perante a impotência   de quem ela está cuidando. 

A filha, uma escritora nata , adolescente guerreira. Vamos entender seu comportamento durante as duas horas do filme. 

É  necessário empatizar ao lidar com filhos adolescentes flechando a culpa nos pais. Mas este pai o faz com enorme habilidade afetiva verbal. 

 A mãe é uma figura gravemente afetada pela intolerância. Discute com a baleia  sobre o passado, presente e futuro,uma conversa  entremeada com poucas respostas do ex marido que tem  rara noção da realidade das “coisas da vida”. 

O homem baleia não aceita a teoria da mãe de que a filha é má; acredita  na filha , mesmo ele tendo feito “errado” tem certeza que acertou e enfatiza: ela  será uma excelente escritora!  Esta passagem, mais uma vez, nos apresenta que  sua  convicção,  o “ ser verdadeiro consigo mesmo” é  de verdade.  

A Baleia é um filme ousado que expõe nosso comportamento conflituoso, ora contraditório, ora ambivalente, ora agressivo, ora amoroso. Não é um filme de terror!

É um filme singelo, ao menos foi assim  como li o seu conteúdo.  

Poderia, quando muito, exemplificá-lo como exagerado e mesmo anti estético , mas, com certeza, também é uma denúncia da excessiva e histérica busca da perfeição do corpo  hoje em dia.      

Ao acender das luzes, fica claro quem é esse  ser humano, tão realisticamente  imperfeito, grotesco para o mundo: ele é um homem bom!

Haverá quem pense assim, haverá os que discordam, porém, se não for por nada,  o filme pode ser considerado emblemático dos nossos tempos.   

3 comentários

  1. Gostei muito de seus comentários Betina, me ajudaram a compreender melhor esse filme com jeito de teatro, instigante e perturbador.

  2. Caramba, que análise cirúrgica! Confesso que para além da atuação do protagonista, não achei um filme, uau! Lendo sua análise, repensei sobre o que não me fez ficar tão entusiamada, sim, vc tem razão, foi meu incômodo com toda aquela solidão. Essa frase me pegou: “Acredita que alimentando a dor, ela se acalma e melhora sua angústia! “ parabéns, Bettina!

    Excelente, Bettina .

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