Clube dos Escritores 50+ Lilian Kogan Rosh Hashaná

EU NÃO CONSIGO, por Lilian Kogan

Queria falar sobre o novo ano que se inicia para nós judeus.

Procuro dentro de mim fagulhas de esperança para traduzir tudo que carrego na minha genética espiritual.

Mas não consigo honrar em mim o júbilo do legado dos meus antepassados porque só encontro dor no lugar que deveria ser de comemoração.

Meus olhos querem ver a beleza da tradição do meu povo, que fez da dor um percurso de resistência e resiliência.

Mas meu povo sofre e, ao contrário do que muitos imaginam, queremos viver em paz. Paz com os vizinhos do mundo todo.

Há humanistas de peso entre nós. Em Israel, conheci alguns que tocaram meu coração para sempre.

Não somos representados apenas por um único líder político. Isso é uma contingência. A essência do judaísmo é a manutenção do que temos de mais sagrado em nós: Tradição e União.

É essa essência que eu honro e quero preservar.

Há um ano fecho os olhos todas as noites e vejo duas crianças ruivas sem seus pais, no mais tenebroso desamparo.

Abro os olhos e vejo minha netinha, também ruiva, sã e salva sorvendo o leite e o mel no colo materno.

Uma terra de leite e mel, nos contaram.

Uma pesquisa feita sobre as crianças que se salvaram pós-cativeiro do 7/10, afirma que todas tiveram que reaprender a falar.

Muitas emudeceram e outras foram obrigadas a sussurrar dentro dos túneis.

Eu queria falar sobre a alegria de uma mesa farta e muita risada na noite de Rosh Hashana, literalmente, a cabeça do ano. O ano novo.

Mas não consigo.

Queria contar das comidas deliciosas e de como sempre tínhamos que emendar a mesa para caber trinta, quarenta pessoas. É junto que se comemora!

Queria que cada criança de qualquer etnia pudesse se juntar a nós. Mas não consigo.

Queria que tudo fosse diferente. Mas não consigo.

Só consigo pedir a vocês, meus amigos, que nos escutem e nos acolham porque estamos dilacerados.

Nosso chão é o que recebemos por herança cultural, nosso horizonte não deveria ter fronteiras.

Shana Tova, em busca da paz

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Lilian Kogan

6 comentários

  1. Lilian, lindo texto.
    Toda minha solidariedade e que essa passagem a mais um ano traga boas novas para judeus, palestinos, libaneses, turcos, iranianos, ucranianos, chineses, russos, tailandeses, japoneses, siberianos… Para todo O MUNDO. E, é claro, para nós, brasileiros também. Mas que a coisa tá difícil, tá! A PAZ é uma boa nova que a humanidade nunca conheceu, efetivamente!
    Grande beijo!

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