Eu queria escrever um romance. É muito lindo romance…Mas me deu preguiça antes de começar, porque romance tem que ter o personagem principal, que transita por vários núcleos de outros personagens, e tem que acontecer um monte de coisas com o tal personagem e seus núcleos todos e, ainda por cima, tudo tem que fazer um certo sentido, mesmo que não tenha sentido nenhum, e os personagens têm que se relacionar e o sol tem que nascer e a lua tem que brilhar e passarinhos têm que cantar e o personagem tem que ter um cachorro, ou gato, tanto faz, para humanizá-lo (não o cachorro ou o gato, esses são humanos) digo, para humanizar o personagem. Mas, se ele for um serial killer, por exemplo, tem que ter vários gatos, eu acho, e eu teria que contar a parte da mãe que o abandonou na porta da escola e nunca mais voltou, ou a do pai que era alcoólatra e tal e que ele sofria bullying na escola e foi aprendendo a enforcar seus coleguinhas só de brincadeira, até que um dia perdeu a mão e matou um de verdade e ficou assim, com ereção, achando aquilo muito gostoso. Mas eu não quero escrever um romance sobre serial killers. Nem sei sobre o que escreveria. Daí pensei que poderia ser sobre a vida das mulheres (tema muito na moda). Seriam mulheres que nem a minha mãe, uma mulher bastante porreta, que trabalhava feito louca para os filhos terem o que o dinheiro do marido não dava, mas que era uma pessoa muito chata, cheia de neuroses e manias de limpeza e regras de religião e medos de pecado… Acho que também não seria esse o assunto do romance. O protótipo perfeito o Pasolini já nos deu, e a Ana Magnani é a mãe de um mundo que acabou (mas que ainda existe).
Escrever romance é complicado. E tem que ter capítulos. Pensa uma coisa complicada: Capitulo I – A Chegada; Capitulo II – A Casa; Capitulo III – A primavera; Capítulo IV – O inverno; Capítulo V – A partida… E tem que rechear tudo com gentes andando e conversando e fazendo comida e comendo a comida e discutindo e quebrando copos (ou comprando copos) e comprando passagens para partir, e partindo, ou não partindo, deixando a passagem cair no chão do aeroporto quando o grande amor chega correndo e impede que a heroína embarque… Meu Deus! Escrever romance é muito complicado. Pensei que se fosse sobre bicho seria mais fácil: A estranha História de Kiko, o Rato. Mas eu não tenho afinidade nenhuma com ratos… Nem com bicho nenhum (a não ser com uma lagartixa que se alojou no meu closet há alguns meses e, de vez em quando, aparece de cabeça bem ereta para me cumprimentar, mas some antes que eu diga “boa noite, lagartixa”). Bom, escrever sobre uma lagartixa no closet seria entregar minha carta de adesão ao mundo dos plagiadores incompetentes, porque Kafka e Lispector já falaram tudo o que se poderia nesse quesito. Escrever romance é muito complicado!
Acabei de ser premiada num concurso de livro de culinária: “O Livro de Doces da Minha Avó”. Eu não sei cozinhar, detesto doces e minha avó nunca me deu um livro de culinária. Era uma espanhola refugiada que aprendeu a guardar tudo de valioso na memória, para não ser roubada!
Zul, você é uma romancista 😁
Áurea, você é muiiiiito gentil. rsss
Concordo c aurea!
Inventar é muito bom e divertido!
Bettina… não dá medo?
Ai, eu gostei tanto tanto, ri gostoso, viu! Continue!
Bjs
Ai ai.. desejar escrever.. Delícia e desalento.
Zulmara, hilária a introdução. pode continuar…
Abraço
Introdução? Posso fazer um romance a partir disso Carlos? Rssss
Introdução? Posso fazer um romance a partir disso Carlos? Rssss
Zulmara, sua escrita é refrescante, faz bem e faz pensar. Nada como o humor para enfrentar a vida.
Tenho certeza que escreverá um romance sensacional.
Quero ser sua amiga!
Oi Sylvia..
A escrita refresca e ‘esquenta’ também. Quanto ao humor, está faltando muito hoje em dia, nessa onda do ‘politicamente correto’, qualquer coisa que antes seria uma ‘graça’, hoje pode ser visto como insulto. Ai ai.. Mas vamos escrevendo honestamente, com graça e humor, sem medo da artilharia.. beijão.
Muito bom! E com excelente ritmo..
Obrigada Carlos.. Mas como segurar o ritmo num lonnnngo romance? rsss
Muito bom o seu texto “catarse” da frustrada romancista…rsrs P.S. Cães e gatos são “humanizados” como o são todas as coisas que resistem (resistiriam ou contariaria à necessidade humana de se colocar a priori. Chegam a inventar deuses à sua imagem e semelhança pra se colocarem como prioridade desses deuses. O que não se rende ao “Penso, logo existo!” é perseguido (herege, louco, selvagem, etc.) e de preferência, eliminado!
Meu texto foi parcialmente corrompido por alguma coisa no sistema. Vai aqui o trecho corrigido:
Muito bom o seu texto “catarse” da frustrada romancista…rsrs P.S. Cães e gatos são “humanizados” como o são todas as coisas que resistem (resistiriam ou contrariariam) à necessidade humana de se colocar a priori.
Olá Júlio. Obrigada pelo comentário.
Olha que lá desde o Egito Antigo (com seus deuses gatos), os humanos precisam dessas criaturas ao seu lado. Prefiro os vizinhos que têm gatos. Cachorros latem muito.. rsss.
Um abraço