A sabedoria dos velhos chega não porque eles são mais experientes. Ela aterriza porque estão mais cansados. Não cansados da vida, cansados de aprender sobre ela.
Ontem morreu uma amiga com a qual compartilhei 52 anos de intimidade. Ela era 20 anos mais velha do que eu . Hoje tenho 78. Ela passou de exemplo do que eu gostaria de ser um dia para minha parceira no entendimento das “coisas” que contribuem para um melhor viver. Fomos nos ensinando mutuamente.
Ela morreu dormindo. Retirou-se da vida. Cansou-se de aprender e partiu em sua hora. Diferente de outras perdas de amigas que amei e que poderiam ter vivido mais tempo comigo.
Amanheci entristecida e me percebi encerrando um ciclo histórico que não tem mais como ressuscitar.
Um ciclo cujos hábitos e costumes estão em extinção. No pós Segunda Guerra, vigoravam conceitos seguros e claros quando se tratava da educação; definição dos limites entre o moral e o imoral. Época em que se distinguia cultura literária do conhecimento emocional. Estudava-se a história das civilizações na sua linha do tempo, desconhecida a prática do cancelamento de hoje em dia. Sabia-se que o conflito era necessário para então amadurecer; era obrigatório conduzir a própria vida independente dos mais velhos. Era imperioso o indivíduo buscar o aprimoramento de sua visão de mundo sempre mais abrangente. Assim vivia e pensava Susana.
O processo de amadurecimento da civilidade individual, do humano em constante movimento, ouso afirmar – sem precisar século ou data – nasceu junto com a Renascença, dando lugar ao obscurantismo da Idade Média. A sua lógica, sua filosofia, a arte, sua relação com a teocracia em constante transição, conceitos objetivando encontrar o sentido da liberdade e da democracia, eram os tópicos pensados como processos civilizatórios.
Num lampejo de pensamento, indaguei-me se este século XXI será referido como tendo sido a Idade das Trevas? Que a substituição lenta e gradual do privilégio humano de formular perguntas e – a busca essencial do saber – vai deixar de existir? Será que a grande mãe, a Era Tecnológica, será conceituada como uma nova Renascença?
Apesar de ainda nos encontrarmos no banco da escola para aprender a conversar com a IA, minha dúvida persiste: vamos continuar a responder ao debate contínuo com a reflexão, encontraremos vontade para buscar a razão de viver, de morrer? Nossas dúvidas metafóricas serão respondidas por quem?
Imperativo guardar nossa biblioteca intacta para quando tais perguntas emergirem das trevas!
Sabemos sim, que nenhum futuro é previsível, mas já é conhecido que este está sendo trilhado na velocidade de um trem bala.
Contudo, tenho certeza que a IA não vai entender, como Susana entendia, as trocas filosóficas sobre o ser e não ser, o senso político da hora, o prazer de usar uma roupa bem costurada, o sentido do belo na arte, a importância de uma mesa de jantar bem arrumada em torno da família educada.
Às minhas amigas que se foram, digo: o traçado do trem bala não foi criado por vocês e tenho certeza que elas assinariam embaixo deste texto que ora lhes dedico.
À minha tristeza junta-se um certo cansaço de aprendizado!
Cara Bettina, a velocidade do mundo também me incomoda. Compartilho das mesmas reflexões que você. Não me sinto passageiro confortável nesse trem bala em que viajamos, preferiria um passeio de charrete. Haverá um ponto de inflexão? Abraço!