“Vou sair”, anunciou o menino. A fala explodiu como uma granada. Apesar do corpo musculoso de quase um metro e oitenta, alcançados em dezesseis anos de vida, a mãe sentiu a ameaça. A discussão tinha sido intensa. Mas sair assim no meio do isolamento, a família toda trancada em casa, paralisada por medo do vírus que ameaçava a humanidade.
A mãe com esforço levantou o braço enrijecido, levou uma mão ao peito e tentou argumentar: “Mas…”.
“É isso mesmo”, interrompeu o menino. “Não aguento mais, vou pôr uma máscara e sair”.
“Ah, de máscara?!”, suspirou ela aliviada. “Então, vai”.
Mas ele não foi.
“Vou sair”. A frase pôs a mãe em rodopio. Apesar dos poucos quinze anos de bagagem na vida, o menino já carregava a família nas costas desde que a mãe perdera o último serviço. Quem sabe ele dava sorte, vendia a última caixa de balas que tinha trazido para casa às pressas quando a cidade entrou em pânico de isolamento. Podia comprar arroz. Os três menores já nem se mexiam de fraqueza. Mas a cabeça da mãe girava. Tinha medo de perder seu mais velho para aquela doença terrível.
“Vou pôr uma máscara e sair”.
A mãe aceitou. “Mas quem vai comprar as balas?”
Ele se esticou no chão e não foi.
“Vou sair”. “Vá, sim, meu filho.” Filho era como ela chamava aquele homem na verdade pai dos seus três filhos. Chamava-o assim, do mesmo jeito que tratava todos na rua, desde que o esquecera como marido-amante.
“Vá, meu filho.” A fala vinha depois de mais uma discussão cheia de gritos entre os dois.
A obrigação de ficar trancada em casa com roupa, louça, comida e tanta coisa pra fazer, além da agenda do patrão, que controlava agora pela internet, aquele turbilhão de atividades, misturadas com a ameaça que entrava pela janela, pela televisão, o medo daquela doença horrível matando as pessoas que saíam de casa, tudo isso e aquele homem tirando a sua paz, provocando, reclamando, gritando, exigindo. Chega! Não podia mais, era momento de muita dor e verdade.
Lá fora, a noite estava ainda mais escura e calada do que costumava ser quando ela abriu a porta da casa e, indicando o caminho da rua, disse: “Vá, meu filho, vá e não volte não.”
adorei!
Sandra,
uma realidade cruel contada com o tanto que o amor pode exprimir:
“vá embora! !
abraço
Bettina