Entre cotoveladas e dores de cotovelo,
por Liliana Wahba

 

 

 

Esgueirou-se entre a multidão do metrô em horário de pico, ainda atônita com o súbito rompimento de quem achava estar apaixonadíssimo por ela. Autoestima não lhe faltava, corpo esguio e de formas preenchidas, olhos verdes amendoados, cabelos ruivos faiscando fogo, costumava despertar desejo nos homens e inveja nas mulheres. Acotovelava os passageiros procurando uma saída rápida porque lhe faltava o ar, como se tivesse levado um soco no estômago, dor surda e ânsia de vômito.

O golpe foi totalmente inesperado e, pior, havia uma rival; não tinha certeza de quem era, mas suspeitava da colega de escritório dele, aquela gorducha sem graça de riso escancarado e dentes à mostra, ainda mais, desalinhados.

Nunca, na vida, sentira o que popularmente era chamado de dor de cotovelo,  e lembrou da mãe que a cutucava em cotoveladas disfarçadas para chamar-lhe a atenção sobre seus modos de moleca, já que – lhe dizia – uma dama assim não se comporta. Aprendeu a comportar-se e a seduzir. Aprendeu tão bem que os homens acreditavam conquistar quando, de fato, eram fisgados.

Com Adonis – que nome foram escolher para ele! – fraquejou nas artes marciais da conquista amorosa. Cedeu e se entregou, amava de paixão, perdidamente. Brotou uma torrente intempestiva de lágrimas e, após ter imensa pena de si e de sua miséria, após ter empurrado e cotovelado uns e outros, cada vez com mais força, sentiu raiva, muita raiva, ódio intenso, vontade de estraçalhar. Lembrou também das aulas de Kung Fu e de Muay Thai da adolescência antes de rumar definitivamente para a personagem sedutora: havia a cotovelada lateral; a cotovelada circular e rotativa; a cotovelada frontal; a cotovelada cima-abaixo (descendente); a cotovelada abaixo-cima (ascendente).

Mudou de direção e, ao invés da estação de sua casa, dirigiu-se, furiosa, para o apartamento do cafajeste e ex-namorado.

“Aos quatro minutos do segundo tempo da decisão, quando o placar ainda apontava 0 a 0, Sergio Ramos acertou o cotovelo no rosto do goleiro após cruzamento da esquerda. O lance passou despercebido pelo árbitro, mas foi flagrado pelas imagens da tevê. O Hospital Geral de Massachusetts concluiu que o Sr. Karius sofreu uma concussão neurológica durante a partida do dia 26 de maio de 2018”.

 

LILIANA LIVIANO WAHBA – Psicanalista junguiana. Profa Dra da PUC-SP. Diretora de Psicologia da Associação Ser em Cena – Teatro de Afásicos. Autora de Camille Claudel: Criação e Loucura.

2 comentários

  1. Golpe de mestre – de literatura! Fui até procurar na Wikipédia por Karius!
    A entrada no conto da concussão do jogador nos atravessa como uma cotovelada na cara.
    Em suma:
    Sofri uma concussão… [não tenho certeza, mas acho que passo bem].

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