Em nome da rosa,
por Bettina Lenci


 

 

O título é  de um filme antigo cujo cenário é o século XI. Eu escrevo aqui no Século XXI , hoje, dia 16 de março de 2018. Quero ser precisa ao contar uma onda de mal-estar que me acometeu esta manhã.

O título da matéria de jornal, em letras garrafais é : FRONTEIRAS DO REAL.

Jeff Koons, artista contemporâneo, plantou suas esculturas gigantes de cachorrinhos metálicos em pontos do Central Park ( NY). “Eles são invisíveis para quem passa por lá. As obras se materializam na paisagem só nas telas do celular!  A técnica virtual, o Snapchat.”

Igualmente aconteceu com uma obra de  Jackson Pollock. Ao focar suas telas com os phones , as   obras se metamorfoseiam em esqueletos que saltam dos quadros, ou viram um quebra – cabeça, ou ainda mostram mensagem de erro como um site que saiu do ar.

Por que lembrei do filme Em Nome da Rosa? Havia um convento que guardava – escondido de leitores interessados  em ler Aristóteles e demais filósofos da era grega, livros de teorias filosóficas cristãs, livros sobre medicina , enfim, livros que pudessem despertar a desconfiança na obscura teoria da Igreja Católica dominante. Mas havia um livro específico que se fosse  aberto e lido, o leitor morria envenenado. O mistério se revela no fim do filme. Era um conhecimento para não ser conhecido.

Qual a analogia entre o século XI e o XXI?  

Vou extrapolar : hoje há pouco interesse em torno de leituras apresentadas por blogs de escritores , apesar do veículo ser virtual. Parece que seus textos contêm o veneno do apropriar-se do saber. Mais rápido e mais direto o face e ou Instagram que tudo desconhece. Faz passar o tempo. Mais fácil ouvir os youtubers de prontidão. (Sei contudo de algumas poucas pessoas  que ainda preferem livros envenenados como outrora no convento. Sabem que não vão morrer , mas se calam ao” saber” mais do que os internautas.)

Hoje, acredito, somos literalmente envenenados pela comunicação ligeira e iluminada de fácil digestão.

Isto posto, por que uma onda de mal-estar me acometeu hoje?

Acho que o que hoje conhecemos de virtual na tela do computador já não é mais uma Realidade a ser conquistada. Já está instalada na realidade diária. Deixa de ser uma nova descoberta porque nós, do século XXI, sabotamos obras consagradas como sendo venenosas, não mais para serem conhecidas e admiradas, apreendidas como modos e costumes de uma época histórica. Estamos inseridos em  uma progressiva perda da Realidade e Conhecimento do passado.

Não mais  teremos como  interpretar a Realidade que foi um dia transposta para uma obra de arte. Vamos conviver com uma arte reinterpretada,  atualizada, do nosso tempo virtual. No Futuro, o passado só será de Conhecimento daqueles que virão e irão  conhecê-la apenas a partir do momento tecnológico. Escrita, livros, bibliotecas , obras de arte perdem continuadamente sua importância para o Homem.   O processo de confundir a Realidade – com o qual ainda aprendemos a lidar, – não só não é mais como já deixou de ser desde o início, incrédulo com a possibilidade da tecnologia tomar conta do intelecto. Sociólogos, antropólogos, filósofos estão tentando decifrar a perda de rumo global , mas não conseguirão apaziguar a alma que sente  igualzinha ao século XI. Nada de significante realmente mudou. O Homem muda crenças e valores, mas não muda por si mesmo o lado sombrio da Vida. Não lhe foi dado esta capacidade que, vai saber, não se transformará na medida da necessidade, premente, atual. Estamos confusos e o mundo não está mais girando: ele anda de ponta cabeça!

Eu,  por exemplo, sofro do  Mal du Siècle  termo do século XIX  que se refere à literatura do período romântico. Um movimento caracterizado pela escrita saudosa, desiludida e melancólica.

 

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BETTINA LENCI – Uma empresária que se realizou tendo como início profissional a história da arte e a fotografia, mas que, posteriormente, descobriu que lendo e escrevendo é possível criar um mundo com um olhar agudo sobre o cotidiano de todos nós.

   

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