Carta XVIII
A Noite
Na Lua Nova
dormi o sono da morte
morei no Vale dos Reis
Sonâmbula
vaguei milênios
Outra noite caiu
e a Lua Nova se fez
Foi ela quem conjurou o cão
e trancou meu dedo
entre as mandíbulas
Um homem, presença e canto
me acalma e espanta a besta
O hiato entre as escalas musicais
me chama e acorda,
venho despertando
Pouco a pouco largo
o Vale dos Reis
e o Mundo da Lua
troco
o sono por vigília
vivo entre mulheres
e homens de boa vontade,
Vivo outros milênios
bem outros
Por hora oro e vigio,
renasço a cada lua,
Às feras
já não as temo
como temia
Carta XVIII
A Noite
Incerta na Lua Nova
Lua Minguante fui
minguei minguei
me tornei partícula
invisível a olho nu
Mínima célula ridícula
sub humana
e nem guardei em mim
o universo
Outros milênios
até me descobrir
mortal
Sendo mortal
perdi o medo
do infinito
Carta XVII
A Estrela
Renasci estrela e nua
a pele, a de uma jovem serpente
me descobri artista
capaz de criar minha vida
Meus instrumentos:
o que penso e sinto,
palavras, imagens e pincéis
Na água me banhei
esquecida de meu reflexo
Minha amplidão
atravessou o horizonte
linha infinita do amor
Carta XV
A Paixão
Anjo caído recaio
na paixão pelo homem
com a faca no peito
A cada abraço mais dôo
olhos vendados, atada
Regresso ao Vale dos Reis
ao sono
vigília e reza esquecidas
Foi desta vez
o silêncio a me acordar
quando, espantada, vejo:
— Por deus,
A faca está no meu peito —
Carta XV
A Paixão
1
(no medo de morrer
durmo sono pesado
viro sapo-de-pedra
sonâmbula, moro
entre os parentes)
em paixão
e febre do feno
queimo o medo da morte
pólen, teimo:
morro e renasço
2
medo oco do escuro
tece coroa de espinho,
não deixa menino dormir
3
candeia de cera e mel,
uma cadela pastora
pastora sonhos
e sombras, ovelhas
negras e brancas
Carta XV
A Paixão
(Canção do nó cego)
Há um olho redondo
no meio da dor,
Uma nódoa
um nó
Me conta a dor
com seu olho de peixe:
Há na nódoa um nó que não vê
Carta XV
A Paixão
Tuas pestanas
pedras
caem-me no sono
Cílios sem olho
asas sem pássaro
Sonho abandono
Carta XII
O Apostolado
Ouço o chamado:
— Desperta-te para o apostolado!
Me iniciar mais uma vez?
Abandonar a paixão que me cega
e me aninha?
Que medo morrer pendurada,
o terror de cambiar o olhar
perder-me de um mundo certo
tornar-me outra na incerteza
Outra vez deixar
o Vale dos Reis
onde, adormecida, volta e meia
moro e peregrino
Meu único olho aberto
soa inocente como o de um recém-nascido,
minhas mãos atadas se abrem
moedas caem sem tilintar
Descubro,
não são dinheiros
mas, sementes
Desatando os pés
rodopio em dança de dervixe
minhas mãos agora se libertam
volto a ter os pés no chão
Cegueira e faca no peito?
Nunca mais essa tortura!
Carta XIV
A Temperança
Chegou a hora
de ser um pouco anjo
descansar da dor de ser mulher
Chegou a hora
de ser asas azuis e água
e jorrar de uma fonte
para outra fonte
Chegou a hora!
Que nenhuma gota se perca
se cada gota sou eu
Carta XIX
A Luz
Casamento alquímico:
Nós e o Mundo,
o Outro e Eu
A Luz dourada nos ilumina
cor e amor
puro calor
Em minha jornada
descanso no Deus Interior
sua luz amarela me ampara,
repouso em suas mãos
em seu regaço Sou
(No Vale dos Reis
posso adivinhar — terei
outras luas novas —
Mas, após desse noviciado
sonâmbula não mais serei
E as feras se amansarão)
um “Cancionero” de sensações, emoções fluem, as palavras se fazem ritmos, a inspiração parece milenar