Alzheimer
Disse ao doutor na consulta
Minha memória é perfeita
Lembro-me da infância inteira
Talvez menos da vida adulta
Reconheço, nomes esqueço
Por serem tão complicados
Os desses netos endiabrados
E dos vizinhos mal educados
Verdade, não sei o dia de hoje
Porém, é porque não li o jornal
Mas doutor não me leve a mal
Amanhã não será dia igual.
O senhor disse ondas cerebrais
No eletroencefalograma lentas?
Concordo ando lento, eu sabia
Mas é pelos joelhos com artrite
Desde juventude nessa correria
A data de nosso casamento?
Ah doutor foi um belo momento
Sim, filhos tivemos, mais de um
O que hoje é um tanto incomum
Meu bem foram mesmo quantos?
Você sabe melhor sendo tantos
E como foram esses encantos.
Nome estrangeiro o doutor falou?
Me pareceu que soa a alemão
E na tomografia é que resultou
Diminuição da circunvolução?
Mas doutor eu bem que achei
Demência não seria, imaginei
Como foi a do meu avô eu sei
E não sendo câncer fico aliviado
Sem enfisema de antepassados
Que dessa eu bem que escapei
Pois bebi pouco e nunca fumei
Melhor sorte que os azarados.
Sim, dei dinheiro polpudo
Pro mendigo que me pediu
E que gritando logo sumiu
Sou sortudo! Sou sortudo!
Sim, dei outro pro carteiro
Mas esse devolveu inteiro
Para nosso bom porteiro
Falando: ӎ muito dinheiro
Sou honesto, e bem direito
Avise logo a mulher dele
Que do velho cuide ela
Pra evitar outra esparrela”.
Guiava em plena avenida
Como sempre fiz toda vida
Gritavam “tá na contramão”
Mas era gente distraída
Que só arma confusão
E veio um poste pela rua
Que me parou de supetão
Juntou multidão e polícia
De papel de multa na mão
Não entendi o acontecido
E toda aquela confusão
Só pelo carro destruído.
Mas o doutor consultado
Insistiu falar o resultado
Que uma tal ressonância
Estava em consonância
Com meu crânio ocupado
Pelo vazio então deixado
Do miolo bem enxugado
Qual cabeça de mosquito
E falou algo bem esquisito
Tomem com ele cuidado
Que coma só esmagado
Pode morrer engasgado.
Até ontem muito bem vivi
Sempre bastante contido
E por um tubo passado
No estômago alimentado
Hoje todo desmemoriado
Alzheimer diagnosticado
Com cérebro derretido
Sem haver percebido
Nem mesmo sei se morri
Deram o caso encerrado
Para sempre esquecido
Bem antes de sepultado.
Eder, gostei muito do poema: ALZHEIMER. O personagem contando sua história com a doença. Quanto sofrimento, e poder falar acerca… para quem puder escutar…
Poeta retrata a felicidade de ser poeta
De invadido e possuído é puramente o domínio das palavras dormidas e ressurectas que enfeitam o Palácio, resplandece poeta, sem fim!
Mexeu- me muitíssimo!
Gratidão poética
A inocência santa dos honestos. A ignorância como um sutil manifesto. Parabéns, Éder.
Há muito que se “cavar”. É um tema doloroso e fascinante, retratar o Alzheimer. O lado ruim da solidão, de se perceber inutilizado aos poucos; o medo ao ver ruir a auto afirmação como cidadão, como ente vivo, como parte de um grupo; são campos vastos e cheios de grandes histórias. Parabéns por colher uma dessas histórias.