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Eclesiastes 1:9 ou nada há de novo sob o Sol, reflexões contemporâneas de Carlos Schlesinger

Um é louro oxigenado, tem um olho maroto, meio fechado, parecendo o Popeye. Caráter muito duvidoso, perverso, golpista, demagogo, desprovido de compaixão, dezenas de condenações criminais no lombo e outras a caminho.

O outro é boa praça, ex-combatente da 2a. Guerra Mundial, das causas da liberdade. Meio bobo, e agora aparentemente meio gagá, teve uma performance patética em um debate , empurrando a vitória para os braços tatuados do seu opositor.

Mais ao norte, a filha de um neonazista diz renegar o legado do pai, sem convencer ninguém, e convence o povo que a frente que lidera é a melhor opção para a pátria que reinventou a liberdade , codificou e consagrou os direitos do Homem. A nova Marianne, figura representativa da Revolução Francesa, agora é Marine. Tem suavizado o discurso racista e antissemita de seu partido, do qual expulsou o próprio
pai por pretensas declarações exageradas. Conserva as posições xenófobas, exageradamente nacionalistas, anti-imigratórias, mas, cá entre nós, quem confiaria em uma política que expulsa o próprio pai do partido?

Lá pelas estepes, um ex- membro da KGB exerce a sua ditadura a pleno vapor, envenenando desafetos, declarando guerra a um vizinho e apoiando fundamentalismos beligerantes pelo mundo. Nas Américas, o portador do último bigode da Terra destrói meticulosamente a economia de seu país, outrora milionário por conta do petróleo, ao passo que lá no sul, um Frankenstein misto de Jânio, Collor, Bolsonaro, com cabeleira de Boris Johnson combate o crime de seu país destroçado propondo até a maioridade penal a partir da
idade de 13 anos.

Todos eleitos pelo povo, assim como em 1933 a Alemanha, país de civilização e cultura incontestáveis, elegeu um artista medíocre e frustrado que nem alemão era para lhe reger os destinos. E deu no que deu.

E nós que amávamos tanto a revolução, que simpatizamos aos vinte anos com todas as causas populares que nos apareciam justas, onde ficamos e onde estamos? Onde ficaram os cinemas das galerias, os bares para discussoes filosóficas e opção entre a Revolução Chinesa e a Cubana? Onde ficaram as nossas soluções para o Brasil, oscilando entre a reforma agrária radical e a expropriação do assim chamado capital internacional, que no fim acarretava as famosas perdas internacionais que Brizola execrava, sem que ninguém, aliás, jamais soubesse o que eram. Teria sido em vão o consumo de toneladas de salsichão, chope, batata frita e filezinho aperitivo? Os remendos das calças Lee, o uso das batas indianas? Será que carregamos à toa nossas bolsas peruanas a tiracolo, contendo uma flauta doce e um livro inteligente para a Praça da República, em São Paulo, ou para a grama do Aterro sob o sol, no Rio de Janeiro? Exibimos à toa nossos volumes de Sartre, nosso Profeta, de Gibran, nosso Despertar dos Mágicos? Será que tomamos pouco vinho de garrafão, cantando Andança em volta da fogueira do acampamento? Defumamos e
fumamos poucas ervas?

Parece mesmo que nada funcionou, e que tudo foi à toa na vida, vendo a banda passar, desembocando no louro facínora, no destrambelhado , no arremedo da musa da liberdade , no agente secreto da Smersh, no palhaço platino.

O meio era a mensagem, como dizia o guru Marshall Mc Luhan, que previu que nos tornaríamos uma aldeia global. Imprevisível, porém, era que todos nós nos transformaríamos em Dick Tracys, com um aparelho celular no bolso que carrega Oráculos de Delfos, carruagens on line, vendedores, compradores, importunos,
amores e temores, tudo junto e ao mesmo tempo.

E, nel mezzo del camin, John Lennon jogou uma pá de cal naquela turma boa e generosa da qual fazíamos parte. O sonho acabou, determinou o neo bardo.

E pensando aqui com meus botões enquanto digito essas bem ou mal traçadas linhas, descubro que não há fogueira de Mauá que se apague, sonho que vá embora, idade que nos enfraqueça, diabo que nos carregue ou coisa parecida, aparecida, enquanto tivermos olhos para ver, ouvidos para ouvir e uma cabeça para pensar, a cabeça da mais incrível geração dos últimos séculos, que consegue perceber, sentir e refletir.

De Emilinha Borba a Pablo Vittar, do Constellation ao Airbus 350, do lápis-tinta ao teclado leve, do Conga Esporte ao Nike, somos inteiros, e confiantes de que as coisas mudam. Ou não.

13 comentários

  1. Cacá, como te conheci na pré adolescência: texto primoroso que se inicia na desesperança e termina na confiança. Parabéns!

  2. Que texto perfeito! Lembrei da minha juventude, da qual você fez parte, fugindo da escola para o vão do MASP, ao encontro da minha turma de amigos Hare Krishna’s. Fiquei realmente emocionada com sua visão e clareza, que tempos sombrios. Estou lendo um livro que vc poderá gostar: Esperança da primatologista Jane Godall. Há algo que ela diz que me deu um bem estar: diferentemente do rastreamento fóssil, ossos, arcada dentária, para saber sobre a vida daquele ser. O comportamento não fica fossilizado. Portanto, fica para mim, que sempre teremos chance de mudar. Eu tenho esperança. Beijão

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