Uma manchinha vermelha risca o ar da esquerda pra a direita e pousa sem hesitação nas costas da minha mão, a mesma que foi operada e que apagou minha sensibilidade ao toque. Feito um midas cego, tudo que toco, apalpo, não reconheço.
Perdi no tato, ganhei no olhar. Aqui está ela, vestida de vermelho cintilante, exibida, quieta, uma pequena obra de arte. De vez em quando tremula, pequena predadora disfarçada.
Parada, esperando.
Vai embora, eu peço.
Vai embora, vai… Bate uma brisa morna, as asinhas brilhantes tremeluzem, ela não se mexe.
Imploro, vai embora…dobro o dedo médio e apoio no polegar fazendo uma alavanca. Armo o golpe, fecho um olho pra acertar o foco…um peteleco, só um …vai embora, pela última vez, vai embora….
Encho o peito, prendo o ar e sopro devagarinho, bem de leve, a joaninha sai voando…
Na série pequenas crueldades nossas de cada dia leia também
A terra que nos acolhe
E O menino e o pernilongo
Sim. A vida é isso , pequenas situações que nos colocam em contato com a suspensão da existência .
Ahá, dominou a vontade assassina, mas era uma joaninha … quem não se enternece? Áurea disse: a “suspensão da existência”, nem sabemos como, somos levados a flutuar por um leve sopro ou atordoados por um peteleco de alguma deusa benevolente ou vingativa.
Como nos assustamos com o (s) estranho (s)……o querer nos livrar deles (s)? E de nossas fragilidades? A mão imobilizada? Uma série de contos que toca e marca o coração.