Devaneios,
por Esther Soares

“Com breves palavras minhas”… Assim o meu colega, lá dos velhos tempos de primário, começara seu poema. O professor interceptou o bilhete que ele tentava passar para a menina de olhos negros, sua paixão, e ele, morto de vergonha, ouviu em silêncio a leitura ridicularizada de seus próprios versos.

Assim se confessava a profundidade do amor que eles sentiam por nós: bilhetes em prosa ou verso deixados em nossos cadernos, ou dobrados até ficarem bem pequenos para caber na palma da mão deles, e depois na nossa, o coração acelerado aos pulos, saindo pela boca, rosto vermelho, lábios secos, respiração ofegante, tudo escondidinho. Ah! O amor! Romântico, sutil, curtido em fogo brando, olhares dias e dias enviesados, e suspiros, devaneios… Olhem aí que palavra linda – devaneios – tão antiga…

Há dias meu neto desceu a escada aos pulos e se atirou em voo rasante no sofá da sala, onde eu me deliciava com um novo livro de contos:

– “Sabe, Vó! Tô griladérrimo! Mandei um SMS pra uma mina, me abri que ‘tava afim dela, numas, sabe? E sabe o que ela me disse?” – fez uma pausa breve esperando minha resposta, que não saiu – “Que agora, não! Tá de rolo com o Pitu, o Pitu, meu melhor amigo… mas que na semana que vem vai dar!” – Despudoradamente gritava sua indignação, sem nenhum vexame, até a vizinha podia ouvir:  – ‘Tá bom, ela vai ver, me aguarde! Vou já dar uma idéia pra Soninha!”…

E voou escada acima, com certeza para completar o quatrilho amoroso e virtual.

E eu, meio apalermada, fiquei me lembrando do primeiro poema de amor que recebi, eu, musa – porque a garota de olhos negros, desculpem-me não ter contado logo,  era eu.

Pois é. Por onde anda você, meu menino poeta? Por onde anda o Amor, aquele amor das faces rubras e língua seca? Se souber onde estou, me mande notícias.
(Sejamos moderninhos: por WhatsApp, ‘tá?)

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Meu pai era um emérito contador de causos, histórias vividas ou presenciadas por ele. Após a refeição, nos aprisionava à volta da mesa apenas com sua retórica mágica. Sempre foi o grande provedor de livros desde minha infância, um incentivador de cultura que nos abriu caminhos para o prazer da leitura.

E eu, muitas vezes ao sair dali, procurando copiar aquela tonalidade lúdica de um encantador de serpentes, como via nele, me propunha a recontar para meus amiguinhos histórias que me emocionavam, livros que lia, filmes a que assistia nas matinês infantis.

Mais tarde percebi que alguns racontos eram fragmentos de vida com todas as características de um conto.  E aproveitei-os, sem constrangimento pela “invasão de privacidade”, mas com a emoção da empatia, da paixão, sem nunca identificar protagonistas verdadeiros nas mágoas e frustrações de meus personagens.

Escrever é pintar com palavras: escrever é pintar, é fotografar, é captar momentos e concretizá-los em palavras e em textos. É criar imagens na percepção interna do leitor.  

Escrever nos faz melhores leitores. Criar personagens é penetrar o misterioso mundo do outro, do diferente, não só compreendê-lo, mas ser capaz de amá-lo. Com empatia. Escrever certamente nos leva a ampliar o conhecimento da psique humana.

Existe um artista em todas as pessoas sensíveis; nem todas produzem Arte, mas são também artistas porque capazes de se emocionar com a Arte que outros produzem ou praticam.

Livros publicados:

  • A Arte de Escrever Histórias, Editora Manole, 2010
  • Era uma vez um gato xadrez, Escrituras Editora, Literatura Infantil em 3ª edição
  • A Mesa, Arranjo e Etiqueta, Manole Editora,  9° edição 2010
  • Marketing Pessoal, sua Importância para o Desenvolvimento Profissional, in Manual do Secretariado Executivo, Editora D’Livros
  • Nós, o gato e outras histórias,  coautora, Contos, Miró Editorial, 2012
  • Inventário das sobras, Escrituras Editora, Contos, 2015
  • Está na mesa, CD, edição da autora 2014
  • Aconteceu no Vale do Paraiba, coautora, contos
  • Disco de cartolina, poemas, Editora Pólen, 2016
  • Cento e oitenta graus, org. coautora, Editora Pandorga

3 comentários

  1. Muito poético seu texto sobre a menina de olhos negros.
    Você toda é uma poesia ao falar do passado sem criticar o presente (neto) tao mais difícil para quem
    aprendeu a viver no passado.
    Obrigada
    beijo carinhoso

  2. Pois é, mudam as formas de amor, entretanto, está sempre presente, serão flechas de ouro, de prata, de cobre, estanho, silício? Poemas românticos e transistores binários?

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