Desde muito pequena, se sentia flor, ou planta, ou gato, ou minhoca. Olhava no espelho e estranhava o rosto branco com olhos azuis e cabelos louros. Andava feito bicho, gostava de andar de quatro. A mãe dizia, já passou da idade de engatinhar.
Calada, furtiva com as pessoas, apegava-se aos animais. Até da galinha, que ciscava por ali, era mais amiga do que do irmão. Andava com ela no colo, pintava-se de vermelho, de amarelo, de marrom.
Sibila parecia uma espécie diferente, mais semelhada à galinha do que à mãe. Com menos paixão agarrou-se ao gato, ao cachorro, ao papagaio; colecionava taturanas e observava os insetos do jardim: lesmas, formigas, grilos, aranhas. A mãe dizia que iria ser bióloga ou veterinária. Sibila sorria.
No espelho não se reconhecia. Começou a brincar de máscara, escurecia os olhos; mais tarde pintou os cabelos com tintas que roubava da mãe. Esta ria, achava graça na filha tão diferente. Quando não se pintava, sentia-se desprotegida. Um dia, na hora do banho, viu-se nua e sentiu frio. Medo também. Começou a pintar o corpo; escurecia-o com tons de terra, negros, marrons. Ensaiou os laranjas, os amarelos matizados de ocre; ousou nos vermelhos em todas as nuanças. Sentia-se bem nessa pele criada por ela. Andava sinuosamente como gato ou cobra ou minhoca. A mãe achava graça vendo a beleza da filha. O pai estranhava. O irmão dizia você é louca.
Gostava de carne, principalmente crua. Seus dentes ficaram pontiagudos, caninos salientes. Fascinava homens e mulheres com suas cores estranhas, os silêncios, os dentes de fera. Ninguém conseguia chegar muito perto. Namoricos de menina não existiram, apenas contatos esporádicos e intensos com homens e mulheres. Ela gostava de ver o que via nos olhos deles, vítimas presas em sua teia.
Comer carne e seduzir, seus prazeres.
Um dia ele surgiu. Não tinha medo dela. Só queria dominá-la e possuí-la. Foi fácil. Ela subestimou a força dele, seu poder de penetração. A barriga começou a crescer. Ele foi embora. Sibila sentia algo diferente dentro dela. Arredondava.
Numa noite de trovões, água grossa e quente desceu-lhe pelas pernas; água vermelha, aos pedaços. A barriga sumiu tão misteriosamente como aparecera. Sentia-se nua em sua pele branca. Frio e medo.
Começou a tatuar o corpo. Surgiram flores vermelhas e ramos verdes no meio do musgo que crescia pelas pernas, e espalhavam-se pelo ventre, seios, feito trepadeira selvagem. Chegou aos ombros, pescoço, rosto. Sibila não tinha mais medo. Nem frio.
Planta carnívora, sem semente: tinha cumprido seu destino.