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Crônica: as mãos presentes de Carlos de Castro

Corredores largos derramam-se à frente. Branco geral quebrado apenas pelo piso emborrachado verdinho. Rodapés boleados, luminárias fluorescentes protegidas por defletores quadriculados, tudo ali se assemelha a qualquer hospital.

Trata-se de uma ilusão, uma falsa impressão inicial. Basta chegar a uma sala de espera ou às áreas de recepção internas para perceber que estamos num lugar completamente diferente. Basta sair um pouco de si mesmo. Deixar-se inundar pela energia de carinho, deixar-se envolver por movimentos imprevistos. Basta que se permita ouvir a conversa direta com aqueles pequenos seres especiais, construída com blocos de tênues silêncios e expressões mágicas. A criança com deficiência física penetra naquele mundo como se entrasse pela primeira vez num circo. Navega boquiaberta num mar desconhecido. Personagens novos, crianças diferentes, brincadeiras desajeitadas, estranhas. Há, entretanto, uma característica comum: a alegria. O ambiente contagia, sorri, faz ligação. Uma espécie de rede de energia boa, energia solidária circulante. À porta de entrada para a área da piscina aquecida, os pequenos corações se aceleram. Os brilhantes olhinhos adivinham a possibilidade de saltar.

Essas lembranças vêm de um belo dia em que fui visitar o Hospital da AACD. Fui guiado por uma das centenas de voluntárias que ajudam a operar aquele mundo mágico. Impossível não ficar impressionado com o trabalho dos profissionais que se dedicam de corpo e alma às necessidades das crianças deficientes nos mais variados equipamentos, consultórios, sessões de fisioterapia, hidroginástica, enfim um trabalho multivariado e de valor inestimável. Ao final da visita, a guia me acompanhou até a porta, se despediu e voltou rapidamente para retomar atividades internas. Eu fiquei parado alguns instantes por ali. Minha atenção capturada pela escultura em madeira instalada junto à saída: a Escultura das Mãos. Um ex-paciente, para agradecer a ajuda que teve da instituição, criou aquela expressiva escultura na qual dezenas de mãos vão se apoiando umas nas outras e dão amparo a uma criança de madeira que, estampando um sorriso infinito, começa a andar com a ajuda recebida. Vida é movimento, lê-se a mensagem da instituição logo acima.

Mãos, mãos! Quanta história, quanto sentimento concentrado!  Poemas vivos, expressão clara, nada a esconder. Um par de sensores e transmissores que nos falam da vida de cada um e da vida de todos. Fontes de beleza, criação artística, foco de interesse de grandes fotógrafos. Contemplação, enlevo, maravilha.

E, no entanto, alguém poderia lembrar, podem também iludir, roubar, agredir, manusear. Não, não. Naquele momento e naquele ambiente, tais mãos estavam ausentes. Ali, junto às mãos que ajudam a andar, disputavam espaço apenas mãos de ternura, afeto, apoio, mãos de criança, de brincadeiras de roda, de carícias de avós, de amantes e poetas loucos, de escritores inspirados, de médicos e parteiras trazendo à luz…           

Mãos presentes, que sabem se unir.

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