Quero escrever poesia
Porém até estremeço
A imaginar como seria
E qual língua escolher
Sem saber o começo
Duvido se deve valer
Preferi a Ibérica logo antes
E de Ruben Dario, José Martí,
Borges, Neruda, Lorca, tudo li,
Porém, do muito que vi e sofri
Só recuperei a alegria e sorri
Com o Sancho de Cervantes
Pensei na língua francesa
A segunda com que sonhei
Os belos poemas são tantos
Com exuberantes encantos
A logo evidenciarem tibieza
Nas rimas que nunca achei
Percorri assim o italiano
Daqueles sons musicais.
Dante, Petrarca e Tasso
Veriam tanto mau passo
Que ao insistir nela mais
Seria um esforço insano
Cogitei até do alemão.
Goethe, Schiller, Heine
Fatigados, diriam não:
“Danke aber nein”.
Faltando-me inspiração
Nela, nem pensar então
Percorri toda a Europa central
Cogitando da tcheca, sua rival
Mas castigada em consoantes
Compõe sons tão dissonantes
Que nem Kafka tolerou a dose
E em alemão fez Metamorfose
Levei a Budapest meus rogos
Ouvi bizarros ruídos de ogros
Por satã em húngaro vertidos
Salvou-se Liszt com o Mefisto
Música de diabos tão festivos
Divino hino de puros regozijos
Na Rússia também busquei
Dos poetas em lista sem fim:
Mandelstam, Pushkin, Bunin
Maiakovsky, Biéli, Iessienin,
Muito breve eu a abandonei
Temendo ressuscitar Lenin
E por que não usar a inglesa?
Aquela de “Mercador de Veneza”
De Shakespeare, Blake, Milton
Byron, Keats, Pope, Tennyson.
Senti da maravilhosa singeleza
Impossível gerar igual beleza
E se fosse em grego ou latim
Seria nefasta minha ousadia
Restaria lamuriar-me: ai de mim!
Pois ninguém o pobre vate leria
Pior é ouvir o que a crítica diria
Impiedosa, nunca me pouparia
Rondei próximo ao polo norte
Sonhando Ibsen e Strindberg.
Faltou-me ainda melhor sorte
Pois a gélida noite no fiorde
Fez minha poesia ir a pique
Como um iceberg ao Titanic
Ávido buscando inspiração
Procurei no remoto Japão
Aquelas palavras brejeiras
A rimarem com cerejeiras
E delas não cogitei mais
Ao ver sinais em haikais
Busquei então no distante leste
A que floresce na Índia agreste
Na voz de Tagore, Naidu, Sinhá
Para mostrar como lavra minha
O som do Ganges que desce
Vertendo as águas do Everest
Não me frustrei não as tendo achado
Pois de letras bastam as de Portugal
De Saramago, Vinicius, João Cabral
Mais Florbela, Camões e Machado.
Tendo aprendido nelas tudo que sei
Foi também só com elas que amei
E serão nelas os versos que farei!
EDER C. R. QUINTÃO – É graduado em Medicina pela Escola Paulista de Medicina desde 1959, doutor em Endocrinologia, comendador da Ordem do Mérito Científico pela Presidência da República do Brasil, livre-docente de clínica médica, professor, pesquisador, membro da Academia Brasileira de Ciências e avô orgulhoso de três netos. “São o mais importante feito do meu CV”, segundo ele. Escrever não entra no CV, é paixão.
Caro dr. Eder,
Que linda poesia sobre a língua para escreve-la!
A perfeição das rimas e a simplicidade transparente
para lê-las. O amor às letras colocado como quatro operações
aritméticas: juntas, divididas, separadas, multiplicadas mundo afora.
Parabéns. Escreva mais. Gosto de ler seus textos. São amorosos, redondos,
sem volteios e penduricalhos, do jeito que vi e li Portugal, no português deles.
Voltei encantada. Que bom que o poeta escolheu a língua da pátria mãe. É a unica que entendo!
abraço
Bettina
Betina: na obra do Pablo Neruda, a mais tocante é a autobiografia. Ele conta que fora perguntado sobre a qualidade de sua poesia e respondeu: nunca fui bom poeta; só fico bom em outra línguas porque tenho ótimos tradutores….
No meu caso, jamais tendo sido poeta, ou sequer pensando em sê-lo, o que me diverte são condescendência e bom humor dos leitores desse clube.
Eder
Nao e só condescendência e bom humor dos leitores , Eder, e a qualidade do resultado, podes crer ! Continue, “vc leva jeito”! Um abração Vicky