Quem tiver alguma certeza, levanta a mão! No meio deste desastre, ninguém pode levantar a mão e responder: eu tenho… Vivemos o périplo – “a covid” – há tanto tempo que já deixamos de nos preocupar e mais, disciplinar, como em 2020.
À época, conjecturava-se que ocorreria um novo normal, passada a experiência inédita do confinamento. Hoje esse segundo ataque do vírus insiste em não ligar para nossas ignorantes interpretações e chega, dizem, com um apetite que indica ser insaciável por tempo indeterminado.
Cabe perguntar se chegaremos a um novo normal. Não percebo diferença alguma entre o passado e hoje, apesar da contínua e ameaçadora presença do inimigo que mora ao lado.
Incautos, buscamos os mesmos hábitos e prazeres do a.v (antes do vírus). Somos resistentes a mudanças de hábitos. Na primeira leva da Covid, seja pela novidade, pelo susto e principalmente medo, nos confinamos como os caramujos em sua casca. Hoje, apesar dele próprio e suas letais variações, vivemos o antigo normal sem nos incomodar com as possíveis consequências da volta aos velhos hábitos. Ansiamos por nos aglomerar com pessoas da nossa mesma espécie indo a shoppings, restaurantes e divertimentos variados.
Não há como negar: somos seres temerários e desafiadores. Caso não fossemos provavelmente teríamos estacionado na era dos chipanzés. (Não deixo de me identificar com a tribo dos chipanzés no sentido da evolução da espécie, mas nem por isso sou um deles). Ao longo do tempo, a história nos ensina que o humano pouco tem de bom senso! Tive um cisco de esperança de que a violência com que chegou o primeiro ciclo do vírus fosse uma boa oportunidade para mudanças de hábitos. Passou, esquecemos, apesar de falar-se e escrever-se à exaustão sobre o assunto.
Não esperemos um novo normal menos consumista, achegado à fantasia do “desapegue-se”, seja lá o que isso quer dizer ou como exercê-lo. Como não se apegar à uma vacina, mesmo sem a certeza de que ela vai realmente defender nosso organismo?
Apegamo-nos a falas de achismos, a maioria empolgada pelas próprias opiniões, não importa o grau do seu saber. Gente demais se apresenta nos youtubes , instagrans ,faces e outras tantas pessoas se apegam a ouvi-las. Aceitamos que qualquer um, pretensiosamente, nos receite saídas para o perturbador estado emocional despertado pelo vírus. O medo é tratado do mesmo modo como se ensina a tricotar um pulôver para o frio ou cozinhar um jantar vegano. Não deixa de ser engraçado madames de antigamente mostrando como se deve receber em seu lar, usar a lavanda ou como os homens devem fazer pipi – ou seja, levantar a tampa – no banheiro social da casa que os convidou. As formadoras de opinião, em excesso de lives , emergem desconhecidas, se aproveitam e entopem nosso instinto de sobrevivência acenando com soluções impossíveis para o combate do tédio pandêmico. Elas interrompem o meu programa de internauta para vender, com letras garrafais, o desconto dado aos utensílios que facilitam os afazeres domésticos. (Nessa hora, reprimo meu desejo aguçado, com um esforço hercúleo de bom senso, e não compro). Na verdade, tenho medo de passar o número do meu cartão por conta dos hackers, além de saber de antemão que não vou fazer uso deles.
Além disso, por absoluta falta de certeza, entre as perturbações exacerbadas pela pandemia, temos a chatice de ter que concordar, quando chamados a dar uma opinião sobre o emitido moto – contínuo: “que coisa absurda, os restaurantes cheios de gente sem máscara”!
Por outro lado, não só de lamentações é o momento: louvável são os programas e textos apresentados por pessoas com notório saber, capazes de ensinar matérias relevantes da História da Humanidade. Nesse momento virial e virtual, acredito ser a única saída saudável e festiva para a alma. Quantas cabeças boas temos entre nós brasileiros! (Mesmo assim, abraço a internet com cuidado!)
Mas há – a meu ver – uma novidade que certamente deveríamos cultivar para torná-la permanente. Parece nascer um novo modo de nos endereçar às pessoas. Um modo de estreitar nossos laços afetivos sem provas físicas. Se sinceras e sentidas no coração, essa tendência poderá ser um dos apelos à nossa humanidade latente! Um enorme contingente de mensagens é despachado para todas as direções do mundo imbuídas do conselho bíblico maior: AMAI-VOS UNS AOS OUTROS! Ou, sejam tolerantes e generosos com seus semelhantes!
Entre amigos paira um surto de gentilezas e cuidados uns com os outros. São vozes queridas, por vezes de autoajuda, a nos levantar a moral através de votos de esperança. Mensagens suscitando o desejo de viver, conselhos – que parecem simples quanto ao resultado – bastando para isso buscar algo que desconhecíamos em nós até então.
Cética e descrente, algumas mensagens chegam a mim como embalsamadas de fervor, falsa humildade, piedade e caridosos conselhos de como ficar bem nesta crise desgraçada que nos abate. Tento acreditar que este movimento, este novo hábito, não só perdure, como se torne um fato. Seria o novo normal!
Agora conto o que significa o novo normal para mim:
O momento me abate nos contrários: o futuro no presente, o Tempo parado no tempo, o relógio no ponteiro que não marca horas, os intervalos da vida no ausente, o grito no silêncio.
E… sou feliz assim! Sem certeza de nada!
Profícuas elucubraçoes, Bettina.
Lembrou-me Ferreira Gullar:
” Uma parte de mim pesa e pondera, outra parte delira
Uma parte de mim almoça e janta, outra parte se espanta”
Parabéns pelo texto!