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Carlos de Castro em Budapeste, entre as línguas urálicas…e as pombas

Pombas

          Final de tarde de domingo em Budapeste. Saímos para dar uma caminhada pelas proximidades do hotel e nos deparamos com uma igreja católica – sim os húngaros são predominantemente católicos. Entramos para um momento de recolhimento, uma oração de agradecimento por aquela bela viagem que já se aproximava do final. Havia pouca gente na igreja e uma música harmoniosa estava sendo ensaiada no recinto superior, o que tornava o ambiente particularmente acolhedor, perfeito para relaxar após a sucessão de passeios e deslocamentos.

          Aconchegados pela música, fomos ficando. Mal percebemos que a igreja começou a encher e num instante nos vimos cercados pelos fiéis. Não havia dúvidas: uma missa iria começar. O que fazer? Resolvemos ficar, afinal conhecíamos a sequência da missa, de alguma forma seria possível acompanhar.

          É, mas a língua húngara não é para brincadeira. Língua da família urálica, sem qualquer parentesco com as línguas latinas ou com o inglês, não dava a menor chance de compreensão ao casal brasileiro infiltrado naquela massa humana. O lado bom era a linguagem universal da música que nos mantinha de alguma forma integrados na manifestação coletiva. O padre conduzia o culto com bastante segurança e carisma. Na homilia arrancou risadas da plateia diversas vezes. Qual seriam as piadas? Numa delas, pelos gestos que fazia supus se referir à corrida de fórmula 1 que tinha acontecido naquela tarde em Budapeste. Estaria certo? Como saber? Nessa hora me fixei na imagem de uma pomba branca representando o Espírito Santo e lembrei-me daquela passagem bíblica que fala da sua manifestação milagrosa fazendo com que os apóstolos falassem diversas línguas. Puxa, bem que o Espírito podia dar uma mãozinha para entendermos alguma coisa do húngaro.

          Corto por um instante a sequência da história para referir-me a um excelente livro que li há pouco sobre a vida de Paulo Ronái *. Um húngaro e judeu que saiu da condição de apreciador da poesia brasileira, às vésperas da 2ª. Guerra Mundial, para, em poucos anos, transformar-se num integrante da nata da intelectualidade brasileira. Amigo, entre outros, de Carlos Drummond, Cecília Meireles, Manoel Bandeira, Aurélio Buarque de Holanda e particularmente de Guimarães Rosa, para quem fez um prefácio extraordinário de Grande Sertão: Veredas. Enfim, Ronái navegou com segurança e brilhantismo na língua portuguesa, foi crítico literário, tradutor, organizador de antologias de contos da literatura universal e professor de idiomas. Tudo isso a partir de sua formação na alienígena e quase indecifrável língua húngara. Como conseguiu?

          Volto à cena da missa. Apesar de meu pedido à pomba, continuei sem entender bulhufas do que falavam e cantavam. Até que, já na parte final da celebração, chegou a hora do Pai Nosso. Todos deram as mãos, como nas igrejas brasileiras, e rezamos em conjunto. Naturalmente, nós dois rezamos discretamente em português. Pouco depois a missa termina e a jovem que estava ao meu lado me pergunta:

          – Vocês são brasileiros, não?

          – Sim! Puxa, até que enfim alguém falando em português. Você também é brasileira, né?

          – Não, sou húngara, mas percebi que vocês rezaram o Pai Nosso em português.

          Continuamos a conversa com nossa nova amiga na pracinha em frente à igreja. Foi uma ótima conversa. Descobri inclusive as piadas que o padre havia contado na homilia.

          Algumas pombas que voavam na praça chamaram minha atenção. Percebi que, de alguma forma, o pedido que fiz a uma delas havia sido atendido.

* “O Homem que Aprendeu o Brasil – A Vida de Paulo Ronái”. Autora: Ana Cecília Impellizieri Martins

3 comentários

  1. Carlos, lembrei do livro, Budapest, do Chico Buarque, onde um escritor cai na cidade e vê-se às voltas com uma das línguas mais difíceis de aprender. Só perde para o finlandês. Não me recordo do argumento, mas lembro que era muito divertido ver como ele se saiu.
    Só as pombas para ajudar!

    1. Prezado Carlos, assim como escreveu a nossa doce Sylvia Loeb, a sua crônica também me remeteu ao livro do Chico e ao húngaro em si: a única língua que o diabo respeita. Grande experiência.

  2. Prezado Carlos, assim como escreveu a nossa doce Sylvia Loeb, a sua crônica me remeteu ao livro do Chico e ao húngaro em si: A única língua que o diabo respeita. Grande experiência.

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