Esfriou um tanto, muda o cenário das cidades brasileiras, ao menos as do Sul mais afeitas às oscilações de mau humor do tempo. O friozinho chega e logo vai embora, mas o costume perdura ainda por alguns dias: o uso da boina de lã.
As cores variam muito e entre elas são costumeiras as boinas multicoloridas peruanas vendidas nos camelôs com um esquenta orelha caindo ao longo das faces. Muitas vezes ainda elas carregam um fio de lã que as prolonga. Eles existem para amarrar os dois cobre orelhas na altura do queixo da pessoa que os porta. As demais boinas têm cores mais discretas geralmente cinzas e pretas. Outro artefato digno de nota quando dá aquela esfriadinha são as luvas. Nem sempre elas fazem par com as boinas. O cachecol, para proteger o pescoço, tem uso mais raro.
Sempre soube que o frio “entra” pela cabeça descoberta. Foram os carecas que assim me informaram. Soube também – e dizem ser científico – que luvas e meias fazem o mesmo serviço: protegem do frio as extremidades do nosso corpo emitindo calor para o resto dele.
Não sou assídua espectadora de jogos de futebol, mas sempre achei sem sentido os jogadores brasileiros que normalmente suam muito, usarem-se dos mesmos artifícios. Verdade que usam o conjunto boina/luva quando treinam em países que , apesar de no verão serem frios ou nas alturas de cidades como Bogotá, mesmo assim fica valendo o suor do exercício logo nos primeiro minutos de jogo.
Pessoalmente já tenho outra razão para usar boina, luva e meia no nosso dito inverno: o calor temperado aconchega a solidão. Conforta o sono. Dá preguiça esquecida da vida nos finais de semana.
No hemisfério oposto ao nosso sei que à noite, no deserto, o frio contrasta com o calor do dia, mas não me consta que usem boinas de lã iguais as nossas aqui no Brasil. Quando repasso o que já ouvi, pessoas reagem fortemente dizendo que eu estou enganada. Mas afirmo que não estou: os habitantes dos desertos usam roupa escura – marrom e preta – porque estas cores não deixam os raios solares infiltrarem o excessivo calor. Meus interlocutores retrucam que é a cor branca, alva, que melhor serve para países muito quentes como o nosso e, portanto, não é verdade que os comerciantes montados em seus camelos, no deserto, em marcha lenta, usem roupa escura para se proteger do escaldante sol.
Enfim lendas e controvérsias sobre cores, frio e calor!
Sem dúvida o clima e suas oscilações é o tema mais comentado do planeta. Em qualquer lugar que nos encontremos, carro, ônibus, metrô, comenta-se sobre o tempo com o desconhecido ao lado. Casais que acordam junto perguntam um ao outro se devem ou não levar o guarda-chuva; o vizinho que sai na mesma hora do outro, ao se cumprimentarem dizem: “que frio hoje, não é? Está entre 10 e 12 graus”! o vizinho responde: “Ouvi na TV do tempo que vai esfriar ainda mais no final da tarde!”. Os ingleses são especialistas nesse hábito. Claro que temperatura é o assunto do dia nesse país: no inverno a escuridão cai por volta das 4 horas da tarde e o tênue sol aparece às 9 horas da manhã. Dizem que esta vida no escuro seria a causa de muitos suicídios nos países Nórdicos.
Leio estatísticas, mas como saber se realmente condizem com a verdade? Não sei a porcentagem, mas deve ser alta quanto ao uso da boina pelo trabalhador brasileiro que sai na madrugada fria para pegar o ônibus até seu trabalho nas primeiras horas da manhã. É verdade que, de um modo geral desconhecemos frio intenso e prolongado no Brasil, aquele que corta a pele, racha a boca e dá bolha no pé. Um frio que nada resolve a não ser uma boa tubulação de gás para esquentar os ambientes. É possível que tenhamos nostalgia do frio que não conhecemos e gostamos de nos fantasiar de esquimós já que no verão – que vem sendo escaldante -não necessitamos nada mais do que um pedaço de pano para cobrir o nosso corpo.
O ponto aqui é que a boina brasileira, veseira em ser usada assim que esfria um tanto. Será que este fenômeno está intimamente ligado ao desmate da Floresta Amazônica, sem lei e sem controle? Muitos discordarão, mas por que não concordar um pouco?
Pessoalmente concordo, e a continuar, o calor aumentando ano a ano, não veremos mais boinas na cabeça dos brasileiros. Como dizia Millôr Fernandes: livrepensar é só pensar. Mesmo se for meia verdade ou verdade inteira!
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BETTINA LENCI – Uma empresária que se realizou tendo como início profissional a história da arte e a fotografia, mas que, posteriormente, descobriu que lendo e escrevendo é possível criar um mundo com um olhar agudo sobre o cotidiano de todos nós.