Nomes começados com O não me parecem ser muito comuns atualmente. Não pretendo ir atrás de nenhuma estatística oficial, apenas constato, num percurso rápido por entre família, amigos, conhecidos, que os nomes com O estão meio em baixa. Não vejo nenhuma criança chamada Onofre, nem mesmo Oswaldinho, nem Ofélia ou Olimpiazinha.
Apelo à memória e só encontro velhos e falecidos: a prima Odete, já na casa dos noventa, o saudoso tio Octávio, o velho banqueiro e prefeito Olavo Setúbal. Da minha infância na Mooca puxo o caso dos conhecidos irmãos “marítimos”: Omar e Oceano. E, na mesma linha, lembro da tagarelice da dona Olívia, amiga de minha mãe e dos conflitos da molecada com a dona Olga que ficava louca quando a bola atingia seu jardim de roseiras (depois de muita briga estabeleceu-se o armistício: só tinha jogo na sua porta às quintas-feiras).
E eis a surpresa. Um nome com O, de alguém vivo e mais novo do que eu, me apareceu. Numa agradável tarde de sábado, visitando a Feira do Livro do Pacaembu, caiu em minhas mãos o livro “Escrever é Muito Perigoso” de Olga Tokarczuk. Confesso que essa escritora polonesa, escolhida para o Nobel de Literatura em 2018, era para mim completamente desconhecida. Pois já nas primeiras páginas ela me pegou.
O livrinho reúne uma série de conferências e ensaios de Olga, tendo sempre como eixo o mundo da escrita de ficção, a construção de histórias e personagens. E sempre ao lado de questionamentos sobre as mazelas do mundo que temos construído e os descuidos com o nosso planetinha.
Sabem aqueles livros em que temos a impressão de estarmos participando de uma aula interessante, atrativa, uma espécie de conversa na sala. Pois é. Além disso, no final, somos convidados à cerimônia de entrega do Nobel e ‘ouvimos’ o brilhante discurso de ‘nossa’ já querida Olga, ao receber o prêmio.
Gostei tanto do discurso, intitulado “O Narrador Sensível”, que fiz um resumo para guardar no meu arquivo de textos amados. Alguns pequenos trechos, só pra dar um gostinho:
– “Sonho também com um novo tipo de narrador: o narrador em quarta pessoa … capaz de ignorar o tempo” … “ como aquele maravilhoso contador de histórias que na Bíblia exclama em voz alta: “No início era o verbo” … e que assiste à criação do cosmos e, sem que lhe tremam as mãos, põe no papel essa frase extraordinária: “e viu Deus que era bom”. Quem é esse que sabe o que Deus viu? ”
– “ Num romance é muito fácil anular os limites entre o “eu” do narrador e o “eu” do leitor. Uma narrativa cativante pretende suprimir essa fronteira, de modo que o leitor se torne por um tempo o próprio narrador. A literatura se transformou, portanto, em um campo de troca de experiências, uma ágora, onde cada pessoa pode contar a experiência de sua vida ou dar voz a um álter ego. ”
– “A sensibilidade é a forma mais modesta do amor. … A literatura é construída precisamente com base na sensibilidade com relação a cada ser diferente de nós mesmos. É o principal mecanismo psicológico do romance. Graças a essa ferramenta maravilhosa, a forma mais sofisticada de comunicação humana, a nossa experiência atravessa o tempo e chega àqueles que não nasceram…”
Está aí, o tempo passa, o mundo gira, novas Olgas sempre podem surgir. De repente, após um encontro casual no Pacaembu, uma delas se apresentou. Só posso agradecer.
Que beleza de crônica-resenha, Carlos! Concordo com a excelência do livro .