O charme oculto da burguesia
Hoje é domingo, dia de reflexão. “O tempo que passa” é meu tema sobre os assuntos propostos pela vida e pela humanidade. Ele passa assim como o meu tempo e o do Brasil.
Neste domingo, estou às vésperas de uma decisão que levou meses para se definir. Enrascada, mas não envolvida de corpo e alma nas discussões que se somaram ao absurdo das relações interpessoais, bastante discreta nas observações faladas e escritas, hoje decidi abrir meu oculto charme da burguesia.
Sim, posso definir-me como burguesa. Gosto do comércio e busco aplicar em investimentos que gerem melhoria para todos. Sou voltada ao ganho tanto pessoal como para outrem. Fui criada em uma casa onde nada faltou, financeiramente e no investimento em educação. Convivi com pares burgueses muito mais privilegiados do que eu, também olhei e vi os menos benditos por ele. Reagi? Sim, discretamente, pois dediquei-me aos não burgueses muito mais em sentimento do que em ação e tempo.
Desde os 18 anos, votei PSDB, tentando ater-me à sigla do partido e a alguns de seus expoentes mesmo se não simpatizasse pessoalmente, portanto, concluo: sou burguesa, liberal, republicana com pendant para a esquerda, digo, ao centro esquerda.
Desde cedo, leio O Estado de São Paulo, o jornal considerado conservador. (lembro que ele era jogado em frente ao portão de minha casa. Quando chovia, o entregador o deixava na caixa de correio, mas como não cabia por inteiro, ficava meio para dentro e meio para fora da caixa de correio, molhando. Isso não quer dizer que eu lia o jornal pela metade!)
Isso posto, chegamos às vésperas da decisão para que cada um coloque, em sigilo, seu voto quanto ao futuro do Brasil.
Um dia, por um desses acasos ou coincidências, ainda ligada em canal de TV, ouvi a entrevista de uma astróloga renomada confirmando a vitória de A sobre B, antes de ela acontecer de fato. Afirmava, com toda convicção de astróloga, que A ganharia a eleição passados os quatro anos de sua presidência.
Sou vagamente crente em astrologia, porém, mais segura em meu passado de informações e julgamento. Contudo fiquei com tal prognóstico na cabeça e, apesar da minha inconformidade, não só com o passar do tempo, mas refletindo – com vistas ao que considero ser a realidade – fui me definindo a favor do meu livre arbítrio.
Na eleição passada, injuriada, revoltada e desencantada – fazendo jus aos meus valores e crenças – decidi votar em A para que B não voltasse. Hoje, concluindo que vivo em um país e quiçá num mundo dividido, minha consciência vota em B, não por serem opostos em suas crenças e valores e sim porque estou com medo. Medo a ponto de acordar com medo do futuro do Brasil, vença quem vencer.
Repouso no artigo de João Gabriel Lima, publicado no Estadão em 15 de outubro, que traz a definição de Caetano Veloso sobre a apuração dos votos no Estado de São Paulo – neste pleito para a presidência – como sendo meio californiano e meio texano. Ou seja, São Paulo cidade é californiano e o interior texano. São Paulo capital, financeiro, votaria em B, o interior, rural, votaria em A . Portanto, será o Estado de São Paulo a definir quem levará o cetro.
Ao ler o artigo voltei a acreditar no prognóstico das estrelas: A tem grande chance de vencer e decidir o pleito. Nas minhas andanças e observações silenciosas, acho que aqui, na capital, o charme oculto da burguesia declara sua posição a favor de B e o justifica, mas na hora da urna vota em A como há quatro anos. Não sou contra e nem a favor do “discreto charme da burguesia” porque a ela pertenço (como já me declarei aqui), porém não me junto ao seu voto oculto porque não quero viver como tendo perpetuado o atraso, o perigo fundamental do desrespeito à Constituição e à proposta mal-intencionada de A de aumentar o número de ministros no STF para que decretos do Executivo e do Legislativo se mantenham no poder. Ele é um aprendiz de demagogo: intempestivo, furioso, ignorante do ritual que o cargo pede e infantil – como todos o são – pois gostam de jogar batalha naval, não no papel e lápis, mas nas ruas com a caneta. Um disruptor do andar da História Mundial que, ao dividir o Brasil em católicos e evangélicos, me faz acreditar que voltamos à Idade Média e à Inquisição.
Como burguesa liberal e crente absoluta na liberdade de pensamento e hábitos pessoais, meu voto é em B, identificado neste texto como sendo Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que votamos em pessoas e não em partidos com ideologia clara e projetos de longo prazo.
Voto em B, não por escolha e sim por necessidade e nenhuma esperança em dias tão mais melhores, mas como filha de imigrantes judeus. Vejo semelhanças, disfarçadas, com o passado hitleriano e com a Ação Integralista Brasileira dos anos 30. Sinto-me agredida, diariamente, com a sinalização de palavras e símbolos salvadores, a demonstração de poderio explícito com armas e bravatas nos desfiles acintosos com motos possantes em claro movimento de força e controle de macho.
Termino, desacorçoada, mas sem a divisão entre o certo e o errado, entre este ou aquele que me consumiram por meses a fio.
Igual, Betina. Escrevesse bem como você, escreveria o mesmo.
Tita