Beethoven

Beethoven & Coriolano,
por Leo Forte

Este ano celebramos 250 anos do nascimento de Beethoven.

O espírito da Tempestade e Ímpeto, expressão que define o período romântico, iniciado no fim do
século 18, na Alemanha, descreve apropriadamente o gênio inconformado, introspectivo e
audacioso de Beethoven. Ele instaurou a figura do compositor que impõe sua força expressiva e
rompe com a tradição musical, até aquele momento, representada principalmente por Haydn e
Mozart.

Beethoven é considerado, se não o maior, um dos maiores compositores da música abstrata. Não
foi completamente bem-sucedido em escrever para o palco, o que deve ter sido uma grande
decepção para ele.

Não teve dificuldade em escrever uma proposta puramente abstrata, mas além deste ponto, seus
poderes pareciam fugir.

Hoje, raramente ouvimos sua ópera Fidélio, quase nunca a música para o ballet Creatures of
Prometheus, Rei Estevão, Egmont ou As Ruínas de Atenas.

As aberturas, no entanto, tornaram-se parte do repertório orquestral e exemplos de algumas das
suas melhores músicas dramáticas.

Na época de Beethoven surgiu o costume de se iniciar toda apresentação teatral com uma peça
musical, muitas vezes composta especialmente para a ocasião, com o propósito de preparar o
público para o teor da apresentação.

Beethoven compôs a Abertura Coriolano inspirado na tragédia escrita pelo poeta e dramaturgo
vienense Heinrich Von Collin, estreada com sucesso em Viena, em novembro de 1802.
Esquecida após o sucesso inicial, a peça teatral foi reapresentada em Viena uma única vez, em abril
de 1807.

Não é difícil imaginar por que Beethoven se encantou tanto com o personagem principal. Coriolano
é um herói romano dividido entre o impulso patriótico, a devoção à família e o orgulho próprio.
De acordo com E.T.A. Hoffmann, célebre escritor e poeta alemão, contemporâneo de Beethoven:
“A Abertura Coriolano é perfeitamente adequada para criar a expectativa de que um grande e
trágico evento será o conteúdo da peça que se segue. Somente uma tragédia de caráter elevado,
onde heróis são criados e destruídos, poderia vir após essa abertura”.

O “grande e trágico evento” previsto por Hoffmann é garantido pela incrível força da obra.

A Abertura Coriolano é atípica, pois não constitui parte de uma música de cena. Quando ele
escreveu a abertura criou acidentalmente um novo gênero musical: abertura de concerto.
E antecipou Franz Liszt na criação de poemas sinfônicos. A abertura encaixa-se à perfeição na
definição desta forma: traduz musicalmente uma peça literária pré-existente, conta
resumidamente sua história, sem recorrer ao texto cantado, somente sugerindo subliminarmente
pelas emoções suscitadas na música.

A saga é a seguinte:
“Promovido a general após longos serviços prestados a Roma, Coriolano se candidata ao posto de
cônsul. Traído por seus inimigos, é banido de Roma e, como vingança, levanta um exército
poderoso para invadir a cidade. Os romanos, em pânico, enviam sua mãe, esposa e filho para
convencê-lo a desistir de invadir a cidade. Ele aceita os pedidos da família, mas escolhe o suicídio
como única saída honrosa para sua situação.”

Em vez de apresentar, musicalmente, o esquema narrativo da peça teatral, Beethoven preferiu
enfatizar os humores do personagem principal e as atmosferas previstas nas cenas.

A peça começa com uma introdução em que ouvimos uma série de ataques incisivos, separados por
pausas. O tema principal inicia-se e logo somos levados por uma tormenta de energia que parece
nunca terminar.

O segundo tema é contrastante em caráter e, embora a energia não se dissipe, somos conduzidos
para uma atmosfera mais calma enquanto o tema é reapresentado diversas vezes, em alternância
entre as cordas e as madeiras.

Ambos os temas, ao longo da obra, são entrecortados pelos ataques da introdução, até o momento
em que uma última aparição do segundo tema nos conduz a um desfecho inesperado, onde a
desintegração melódica dissolve a música até o pianíssimo final.

Os acordes iniciais, enfáticos, típicos de Beethoven, mostram a revolta de Coriolano com o Senado
de Roma.

Logo em seguida aparece seu tema nas cordas, desnudando sua personalidade forte e orgulhosa.

Um segundo tema, mais terno, traz à cena as matriarcas de Roma. Coriolano havia reunido um
exército revoltoso e cercara a cidade, para invadi-la. A pedido dos Senadores, as mulheres vão até
ele pedir-lhe que desista.

Um murmúrio nas cordas expõe a tentativa de convencimento. As ideias contrastantes, com
diálogo entre violinos e sopros, colocam Coriolano no dilema, com o retorno de seu tema inicial,
agora exposto com muito mais dramaticidade.

Ele quer atender às mulheres, que vieram lideradas por sua mãe e sua esposa, mas já tem atrás de
si um exército fiel, sedento de sangue e vingança.

As cordas cantam a tortura psicológica desde herói que se divide entre sua missão e sua
consciência. Refém desse impasse, Coriolano, para não trair seus liderados e nem contrariar suas
mulheres, opta pelo suicídio.
Após a repetição dos acordes iniciais, agora reforçados pelos metais em fortíssimo, sua vida se esvai
enquanto a melodia se dissolve nos violoncelos, até que ele desaparece no terceiro pizzicato.

Abertura Coriolano é seguramente uma das obras mais representativas de Beethoven. Agora vamos ouvir a tragédia de Coriolano contada pela música de Beethoven: clique no play para ouvir!

  • Ouverture Coriolano
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