Como assim? O processador de textos irrita-se e sublinha a palavrinha de vermelho. Replico em cima: “adicionar ao dicionário”!!! Ele ignora as exclamações, mas obedece. Não existe maternidade, paternidade e até baianidade? Então!
Pesquisei um pouco. Achei referências acadêmicas a avosidade; já o GPT sugeriu avoanidade. Não, não, obrigado. Já que nenhuma delas consta dos dicionários, nem do vocabulário ortográfico da Academia Brasileira de Letras, enquanto os especialistas não se pronunciam vou ficar mesmo com a palavra que me ocorreu de início. Então, por favor dicionários digitais, incluam “avonidade”: vínculo imaterial de afetividade entre avós e netos.
Gostei da palavra. Atende avós e avôs e até um improvável “avês” que por acaso alguém venha a propor no futuro. E, ademais, me perdoem, mas polêmicas de gêneros não têm nenhuma importância quando se descobre o encantamento da ligação com os netos. É uma ligação que se pode comparar a uma ferrovia: os avós estão sempre esperando na estação e os netos chegam num trem de carga. Com a velocidade de um trem bala de amor. Uma carga levíssima, que os velhos avós descarregam num instante, com a maior delicadeza.
Prestem atenção: a avonidade está por todo lado. Está no avô e neto chegando juntos para assistir um show, está na avó que recebe a netinha na saída da escola, ou no avô ensinando a neta a ler uma partitura e naquela avó que retira o bolo do forno ante o olhar guloso dos netos que acabaram de invadir a cozinha. E está também no acalanto ao bebê e, claro, na magia, no maravilhamento com que avós contam histórias e ouvem as fabulações infantis.
Lembram daquelas cenas na pandemia, avós e netos separados por bolhas plásticas ou se beijando por telas: avonidade pura. Sabe, quando esses dois seres se encontram, quando descobrem a energia que os une, ocorre um fenômeno ainda não bem compreendido pela ciência. Pensando bem, deixemos a ciência fora disso, a ligação entre avós e netos é de outra ordem. Há uma ligação direta, linha de transmissão de afeto. Atravessa qualquer distância, qualquer tempo.
Além disso, a avonidade ganha importância à medida que velhos vivem mais e melhor. Sim, observe: sábios idosos na casa dos oitenta interagindo com netos adultos sobre as agruras da vida.
Navegar é preciso, palavras são precisas. E se viver não é preciso, a avonidade é perene. Quando os avós partem para outras paragens, os netos podem resgatar registros e afetos vividos. Podem até mesmo sintonizar novas conversas. E perceber um dia, caminhando pela praia com a brisa do mar no rosto, que também aprenderam a ser avós.
Avonidade, ferrovia, navegação, porvir, devir, perene, afeto…dezenas de significantes para circunscrever o que sentimos como avós.
Lindo texto, Luciano. Foi um prazer a leitura. Parabéns
Carlos, bom dia! Amei seu texto e troquei seu nome! Você me perdoa?Coisas de avó!