Eu sempre gostei de me esconder. Nos lugares mais prováveis. Embaixo da cama, atrás da porta, atrás da cortina. Era tão fácil de me achar. Fazia questão de deixar uma ponta de pé com meia aparecendo ou uma pantufa ou os próprios dedos das mãos segurando a cortina. Uma cortina dupla, pesada, que cheirava a mofo. Era meu esconderijo preferido. Tantas noites me escondia ali esperando meu pai chegar e me achar. Era nossa brincadeira favorita. Um dia, como sempre, fui para trás da cortina logo que ouvi o barulho do carro chegando na garagem. Minha mãe estava na cozinha, minhas irmãs na TV. Na minha cabeça, achava que ninguém nunca saberia onde eu estava. Ouvi meu pai entrar, conversar com minha mãe, deixar as chaves do carro na mesinha da TV, beijar minhas irmãs. Não ouvi ele perguntando de mim. Fiquei quieta, prendi a respiração para a cortina não balançar, olhei para baixo para ter certeza de que a ponta do pé não estava aparecendo. Parecia que tudo ia dar certo. Ia ser uma grande surpresa quando ele me encontrasse. Ouvi minha mãe chamar para o jantar, percebi que já estavam começando. Como poderiam começar sem eu estar ali? Sem nem terem perguntado por mim? Achei tudo muito estranho, mas resolvi me manter firme no propósito de sumir por um tempo. Tempo que foi longo demais. Ninguém deu por minha falta durante o jantar. Todos conversavam alegremente sobre o dia e faziam planos para o final de semana. Enquanto isso, eu, ali, atrás da cortina empoeirada, prendendo a respiração para não espirrar e acabar com a brincadeira. Brincadeira que estava ficando sem graça, já que ninguém estava sentindo minha falta. Cansei de esperar que notassem meu desaparecimento. De repente a mesa ficou em silêncio, olhei de espreita e para meu espanto não tinha ninguém mais lá. Todos já tinham subido. E eu, faminta, mofando atrás da cortina vermelha da sala de jantar.
Algum dia, inexoravelmemte, todos os que amamos terão sumido. Bela alegoria sobre nossa curtíssima viagem.
Bonito, Carmem. Inquietante.