Absurda a ideia de pular neste lago turvo de águas escuras no meio da vegetação cerrada, em pleno inverno, às quatro horas da manhã. Até os pássaros dormem.
Sinto medo, muito medo, mas preciso cumprir mais essa etapa.
Se conseguir saltar, se não encontrar um galho espetado para me atravessar o corpo, se o lago for profundo o suficiente para não bater numa pedra e partir a coluna, se não encontrar uma arraia de rabo em chicote para me decepar a perna ou me furar com seu ferrão, se conseguir me controlar, retomar a respiração, se parar de suar frio neste ar gelado, se tiver coragem de enfrentar esse terror…meu Deus, me ajude, não me deixe ficar chorando aqui na beira desse trampolim cor de terra, tudo tem cor de lama, a prancha, a água, a vegetação. Chamam isso de iniciação, enfrentar o medo, o desamparo…
Esta é a última prova, a mais aterrorizante, se fosse o João já teria pulado e já estaria na cadeira de rodas onde já está por ter enfrentado a mesma prova idiota.
Já prometi, esta será a última. Quase enlouqueci de medo ao pular de paraquedas, desmaiei no ar, acordei com o baque no chão, muita gente em volta. Prometi a mim mesma, é a última.
Mas não creio.
A atração mortífera pelo perigo é embriagante, tenho prazer e terror nessas experiências. A excitação vai crescendo, quase um orgasmo, mais uma vez vou me atirar no escuro, nestas águas turvas, elas me atraem e me repelem, gosto de viver no limite, sentir a vida por um fio, depender do acaso.
Sairei viva desse salto?
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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!
Quantos saltos no escuro já demos na vida? Com o tempo, ficaram cada vez mais esparsos. Agora só resta olhar pra traz e pensar: Será que sobrevivi?
Ótimo texto para reflexão.