Freud assinalou os atos falhos: lapsos cometidos inadvertidamente devido a uma interferência inconsciente que assinala uma incongruência com o modo habitual de consciência. O conflito entre o reconhecido e o negado – qualquer que seja sua definição psicológica – é uma condição da constituição do ser.
Assim, detectamos atos falhos (em grande parte verbais) no cotidiano, desde os mais banais e anedóticos até os mais graves em consequências. Exemplo do primeiro: uma amiga mostra à outra o vestido que usará como madrinha de um casamento de luxo e a segunda comenta: “Que lindo! Não tinha outras cores?” Interpreta-se algo relativo à inveja, feio sentimento humano, mas, tão verdadeiro.
Mais grave é a mãe que diz à filha: “No final da gravidez quis morrer de alegria e não deixá-la nascer”. Discurso estranho para uma mãe que pretende declarar seu amor. Ou um médico que fala ao paciente: “Faremos tudo para combater sua doença que é fatal”. Exemplos não faltam, e há muitos deles na ceara política.
Teríamos uma Associação Profissional que comunica aos membros:
“Indignação pela postura pública desonrosa do Supremo Tribunal Federal que testemunhamos no julgamento e prisão do presidente Zepanto Divino. Assistimos a sua bem-sucedida caça seletiva aos corruptos mostrando claramente que a regra de aos amigos tudo, aos inimigos a lei, não é uma ficção da nossa história nacional”.
A Associação está indignada com a inocência do presidente, politicamente perseguido. No texto, no entanto, lê-se: são todos corruptos, mas há uma “caça seletiva aos mesmos”, uns são caçados, outros não. Não importa se são ou não corruptos, mas se são ou não caçados. É irrelevante que o presidente em questão tenha cometido crimes de corrupção; entende-se que seja perseguido politicamente por não escapar como outros protegidos.
Qual é a função desses equívocos flagrantes? Uma necessidade de proteção para manter as certezas que nos orientam, para camuflar o indesejado, para escamotear a confusão que nos acometeria se reconhecêssemos algumas emoções latentes, e muito mais.
LILIANA LIVIANO WAHBA – Psicanalista junguiana. Profa Dra da PUC-SP. Diretora de Psicologia da Associação Ser em Cena – Teatro de Afásicos. Autora de Camille Claudel: Criação e Loucura.
Outro dia topei com um programa evangélico. Impressionante o mar de gente, em êxtase, diante das palavras de um pastor, campeão de retórica. O desamparo é fonte de renda para essa gente sem
caráter, que acena com salvação eterna mediante o pagamento de X reais. Serve cartão de débito.
Sempre pensei que este tipo de exploração merecia o fogo dos infernos, mas passei a pensar que diante de tanta miséria material e afetiva, esses pastores prestam um serviço.
Gostei muito: você deixa claro o assunto!!