Aquele era o décimo cigarro. Se continuasse assim morreria de câncer antes do filho se formar. Só mais esse, decretou, enquanto olhava a tela em branco do computador. Escreveria sobre a falta de inspiração, embora isso já tenha sido enredo de filme, de livro, de peça. Acabara de ler Infância do Graciliano Ramos. Estava humilhada. Precisava encontrar a sua voz. Colocou um espelho na parede em frente ao computador. Era ela mesma, ali, escrevendo, o cabelo precisando retocar a raiz, ela mesma, ali, presente. Porque acontecia de voar nas profundezas de seus pensamentos. Não tinha talento pra ganhar a vida. Estava convencida disso, não tinha jeito. Mais um cigarro. O último, prometeu-se, achando ridículo se fazer promessas. Estava com zero de vontade. Na vida tudo tem um truque, teve certeza. Fechou o computador, pegou a bolsa e saiu sem passar batom.
Comprou três livros para se juntaram a pilha ao lado da cama. Era o que a apaziguava. Escolhia alguns para deitar com ela. Passava as mãos nas páginas, lia algumas frases e já caia derrubada pelo sono. O ruim mesmo era o acordar. Acordar e não saber que roupa colocar. Se vai sair, se vai ficar. Logo percebeu que não fazia sentido ficar com pena de si mesma. Tinha vergonha de estar sozinha, ficava se desculpando. Era bom que sentissem uma certa peninha dela. Afastava olho gordo. Ou será olho grande?
Como um olho pode ser gordo?
Regina, eu me vi em tantas nuances aí. Tão feminino seu conto. Os livros, as pilhas nos olhando à espera de serem lidos, a paz que nos dão. Te entendo tão bem…No judaísmo dizemos desejar um “olho grande” ou um “bom olho” que nos protege do que não vemos. Obrigada por nos fazer íntimas de nós mesmas.
Lilian que bom saber que temos pares nos nossos sentires. obrigada pela leitura. um beijo
Muito bom seu conto, Regina. Tem uma certa ruminação à Graciliano Ramos( não casualmente citado no texto). Achei interessante você mencionar sobre dormir com livros. Escrevi isto num poema que será publicado em breve” Os livros são seres calmos, quiescentes, podem esperar anos a fio
até que eu resolva abri-los, chamá-los pra conversar, namorar, dormir junto”. Parabéns!
Sim, livros são pacientes. Pacientes companheiros a esperar q estejamos prontos pra recebe-los
Muito bom. Uma câmera que olha para dentro e para fora ao mesmo tempo. Ou seria um olho?