– Posso sentar aqui um pouquinho no canto do banco?
– Uai, claro, né? Mas a senhora tem certeza?
– Tenho, tenho. Estou bem cansada.
– Ah é. Se vê. Vem de longe a senhora? A pé?
– Estou andando um pouco. Só preciso descansar. Posso?
– Pode sim, pode. A senhora qué uma água? Essa aqui do galão é limpa. Peguei ali no boteco do Freire. Meu amigo. Ele me dá água e me deixa usá o banheiro… enquanto os cliente não chega, né? A senhora não tem medo?
– De quê?
– De mim.
– E por que teria?
– Uai. Todo mundo tem meio medo da gente, da minha cara sem dentes, do cachorro sarnento.
– Ele morde?
– Não. O coitado nem tem mais dente. Que nem eu.
– Pena. Cachorro sem dente sofre mais que gente. Mais que gente sem dente.
– Aí a senhora falô coisa certa, viu? Eu me viro. Ele fica lambendo os osso que o Freire dá, num desespero.
– Pois é. Coitado.
– A senhora vai longe ainda?
– Logo ali. Mas tem ladeira para subir.
…
– A senhora não qué mesmo uma água? Tem copinho de plástico aqui. Tá limpo ainda. No saquinho.
– Vou aceitar, sim. Obrigada.
– Nossa…
– O quê?
– Acho que faz uns dez ano que ninguém me fala “obrigado”.
– E por quê?
– Acho que nunca mais dei nada pra ninguém…
– E antes o senhor dava?
– Olha se dava! Tinha o que dar, né? Dava o salário inteirinho pra patroa, dava beijo nas criança na porta de casa, antes de ir pra escola, dava satisfação pro patrão das parede levantada, dos conduíte instalado, das canaleta. E ele falava: “muito bom. Obrigado.”
– O senhor era bom no trabalho.
– Era viu, dona!
– E o que aconteceu?
– Não sei. Foi de repente.
– Ah. Isso é muito normal.
– E a senhora, desculpa perguntar, tem casa?
– Tenho, tenho sim. Ainda tenho. Acho.
– Ah, que bom. É bom tê casa. Dormí debaixo do carrinho é duro demais. No verão passa. Mas no inverno eu nem conto pra senhora, viu?!
– Imagino.
– E a família da senhora tá esperando a senhora lá, né? Vai chegá cansada, tomá um banho, vê a novela no sofá. Muito bom tê casa.
– E o senhor perdeu a sua como?
– Não sei. Foi de repente.
– Ah…
…
– Eu nunca tomei cachaça.
– Que bom. Faz muito mal para a saúde.
– É.
– Tem uma bombinha ali. É cachaça?
– Só tomo pra puxá o carrinho. É muito pesado.
– Ajuda?
– A gente vai puxando e nem sente. O pé dói sempre.
– Imagino.
– A senhora devia voltá pra casa. Já tá escurecendo. Chega o marido e cadê a janta?
– Pois é… Pois é. Eu nunca fui muito boa para cozinhar.
– Ah…
…
– A senhora qué mais um pouco de água?
– Não, não. Obrigada!
– Acho que a senhora tá meio cansada mesmo, né? Olha que eu podia ajudá: a senhora senta no carrinho, ali atrás, me diz onde mora e eu puxo e levo a senhora lá. Vai me fazê muito gosto, sabia?
– Você é mesmo um homem gentil. Onde estão sua mulher e seus filhos?
– Voltaram pra Minas. Eu ia depois. Mas não deu. Fiquei por aqui mesmo.
– Ah! Acontece.
– Qué a carona pra casa? Eu levo.
– Não, não. Posso ficar mais um pouco?
– Pode sim.
…
– Dona! Eu tenho que ir. A polícia não gosta que eu fico aqui de noite, que os bar chique vai abrí. Tem certeza que não qué uma carona?
– Tenho. Posso ir andando com você?
– Uai. Pode, claro. Mas e a sua casa? Seu marido? Seus filho?
– Você acha que é melhor eu andar atrás da carroça, com o cachorro, ou ao seu lado?
Quanta humanidade dá para escrever em linhas tão simples?
Sempre pegando a gente, né Zulmara?
Oi Sylvia… obrigada pela mensagem!!
Que lindo! Chorei…
Zulmira
Embarcamos juntos na sua carroça. Pra onde vamos agora?
Boa pergunta Carlos.
Para onde???
Maravilhoso. É o que cabe dizer.
Obrigada Carlos….
Zulmara, eu quero te agradecer e agradecer ao senhor da carroça. Da meu obrigada a ele, da? Quero ir sentar no banquinho com vocês. Tocada, com um nó na garganta.
Obrigada
Beijos
Oi Lilian…
Quantos seres humanos bons acabaram puxando uma carroça dessas.. sem dentes e com seus cães sem dentes….
Zulmara. Obrigado por sua sensibilidade. Acho que o mundo precisa mais disso. Sucesso.
Obrigada Rubens!!!