Blog Clube dos Escritores 50+ Bettina Lenci A queda

A queda, por Bettina Lenci

A QUEDA, título desta crônica, não falará sobre a queda do dólar, a queda dos ambiciosos, dos projetos climáticos, a desejada queda do Putin e tampouco sobre a queda de qualquer um dos dois presidenciáveis. Não falará da queda do terceiro Reich, da queda da intolerância, da colonização continuada, da queda do preconceito, da queda da não-inserção social, da queda da incidência, da queda da falta de educação, do câncer, Alzheimer e por aí vai. 

Bem, tantas são as quedas e não quedas – conforme o desejo e objetivo de cada um – esperadas para os benefícios e males do mundo (hoje e sempre) que não caberão aqui neste espaço. Assim sendo menciono uma queda prosaica: o estatelamento numa calçada de Paris.

Sim, a minha! Dizem que sou distraída, que olho os passarinhos, bolhas de sabão, estátuas de mármore com suas vergonhas expostas (criadas no passado em nada comparado com o tempo liberal desde século XXI).  

Olho para as árvores que crescem com cores e ramagens diferentes. Percebo as línguas, modos e costumes encontrados nas ruas de cada país. 

Ouço conversas, estico minhas orelhas – que já não ouvem mais tão bem – para saber o que se passa pela cabeça daqueles que são desconhecidos – para sempre – para mim.

São recolhimentos fotográficos ou assuntos para as crônicas que, por exemplo, ora escrevo aqui.

É o que dizem de mim. Pior, dizem que não atendo celular, distraída em pensar escrevendo. Verdade que desconheço as técnicas avançadas de comunicação. Mas é de propósito. Escolhi desconhecê-la, o que em nada quer dizer que estou desconectada. O WhatsApp, por exemplo, acho uma invenção fabulosa porque não há necessidade de se falar. Permite escrever, o que alivia sobremaneira alguém que prefere se dedicar ao azul profundo do mar ou voltar-se para as árvores, passarinhos, caules, bolhas de sabão.  

Brevemente, preciso dizer que viajar tornou-se um pesadelo. Chama atenção o mau humor, os empurrões das mochilas sobrecarregadas, a prestação de serviço no limite da obrigação, quando não muito abaixo dela. Atrasos e cancelamentos de chegadas e partidas. Transtornos de toda espécie.

O leitor poderá observar a digressão feita para chegar ao motivo principal desta crônica…sou distraída, mas como não o ser com o mundo tão cheio de distrações figurativas, emocionais, abstratas, reflexões e observações?

 Mas voltemos à minha queda em Paris.

Em torno das frondosas árvores dos boulevards de Paris abrem-se grandes circunferências para que  suas raízes tenham para onde se expandir. Há uma borda para conter a terra e as pedrinhas que se encontram dentro desta circunferência. Pois bem, a ponta do meu sapato – aliás tênis – enganchou na borda e lá fui eu aterrizar do outro lado. Há um detalhe curioso: havia jovens sentados nas mesinhas da calçada – hábito antigo de todos os bistrôs daqui e agora nosso também – que não me acudiram. Mas dois senhores, fortes e belos, imediatamente vieram em meu socorro. Pena que eu sangrava copiosamente pelo nariz e certa de que o havia quebrado ou mesmo destruído minha considerada bela face, só tive como presença de espírito repetir : 

– Merda, Merda, Merda

O que restou desta experiência? Vergonha! Muita e profunda vergonha perante mim e os transeuntes. Uma sensação de limite absoluto e a consideração: talvez, de fato, melhor eu não me distrair com passarinhos, árvores, mar e bolhas de sabão! 

7 comentários

  1. Cair em Paris é mto mais charmoso do que cair por aqui. E os passarinhos de lá não gorgeiam como os de cá, isso deve ter te distraído ainda mais, Bettina. Já dizia o poeta que “viver é estar distraído”. Bjs. Lidia

    1. um episódio corriqueiro se transforma em quedas possíveis, as nossas nos envergonham, por que? que cena! com nariz sangrando, terra estrangeira, aparecem dois cavalheiros, talvez vc caiu para demonstrar que na indiferente Paris, existem senhores gentis. bjos

  2. Cair em público é sempre um pouco ridículo, expõe nossa fragilidade. Por isso que, em geral, as pessoas riem. Além de frágeis, ridículos. Bobagem, né Bettina?
    Somos frágeis sim, eu, você e todos que nos rodeiam.
    Como diz a voz popular: aceita, que dói menos.
    Gostei, Bettina
    A sua história acaba bem, sem ossos quebrados e socorrida por belos homens.

  3. Adorei o texto! Tem tanta coisa nele né? A queda que da o tom da fragilidade, o trágico do acidente interrompendo o lazer e a saída pelo comigo. Lembrei de mil quedas e uma especial também em Paris! Me aguarde!

  4. Amigos, amigos muito próximos pq compartilhamos iguais desejos: escrever, escrever, escrever! Bem menos bem, nao tem a menor importancia. Acho que o escritor escreve para si em primeiro lugar.

    Obrigada pelos vossos comentários. Incrível como todos nós caímos, de um jeito ou de outro. Interpretamos, cada qual a queda com alegria, dor, ressentimento, perda, enfim, um cem mundo de quedas e no final a “queda” das rugas espalhadas pelo nosso corpo todo.( as rugas caindo, nesse sentido!)

    Gostaria de lhes dizer aqui que, as vezes posso dar a impressao de nao ler os vossos textos. Mas o faço sempre em intervalos maiores. Voces sao meus amigos e companheiros.

    um abraço super carinhoso,\sempre / B

  5. gente, comi o principal … minha distraçao no teclado disorce o sentido por conta de uma vírgula – (no inicio da msg).

    quero dizer que:
    escrever! … Bem, menos bem, não tem a menor importância. Achoi que…..

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