A praça é nossa,
por Sylvia Loeb

 

 

 

A praça é um lugar democrático, onde vários grupos frequentam o mesmo espaço: os malhados, calção e camiseta justíssimos colados nos corpos; os de torso nu, que exibem a barriga musculosa, os ombros cuidadosamente modelados.

Os idosos, de todas as nuances: os que caminham devagar, em geral no meio da calçada, correndo o risco de serem trombados pelos atletas que fazem ziguezagues mortíferos.

Os que ainda portam o corpo ereto, embora já um tanto rígidos.

As lindas, rabos de cavalo que oscilam de um lado para o outro da cabeça, a cada passo do trote leve ou acelerado. Gostam muito de óculos escuros. Se espelhados, melhor ainda.

As famílias, em geral de três ou quatro pessoas, que gostam de andar devagar, ocupando toda a largura da calçada.

Poucas crianças, uma ou duas no máximo, arrastadas por suas mães, incomodadas com o tempo que os garotos ficam no celular.

Os obesos, que carregam uma carga descomunal, os pés sustentando mais peso do que aquele para o qual foram originalmente projetados. Percebe-se isso pelo inchaço, pelo volume que se projeta muito além do desenho do osso e pelo modo pelo qual os pés mal pisam o chão, como se não fossem feitos para pisar. Varizes.

A turma do skate, molecões com o boné virado para trás, magros, altos, com suas roupas negras, largas, verdadeiros seres alados.

Num final de semana de março, surgiu uma figura nova. Uma mulher de cabelos brancos lisos, compridos até o meio das costas. Pernas finas, usava um short jeans, que lhe facilitava os movimentos. Óculos escuros estreitos lhe davam uma aparência de peixe com máscara. Enquanto deslizava pela rampa, o cabelo voava. O baque do skate no chão era forte, ela saía da prancha e com um movimento rápido do pé o skate pulava para a sua mão, que o jogava novamente no chão para sair deslizando em alta velocidade.

Os garotos nem a olhavam, deveria ser figura conhecida, uma skatista albina. Um cachorro tão magro e tão branco quanto ela parecia seu companheiro, mas na segunda volta  o bicho estava longe, fuçando outros territórios.

Ao sol, um velho sem camisa, encostado no muro. A barriga,  escandalosa. Com uma pinça, tirava alguma coisa da pele:  pelos,  casquinhas de ferida,  crostas de qualquer coisa. A concentração era total, completamente absorto.

Muitas mulheres sozinhas, nem lindas nem de rabos de cavalo,  andavam mais o menos devagar, na maioria das vezes com um cachorrinho. Vestidas em preto e bege. Olham para o chão, passam sem sorrir, a boca um pouco virada para baixo. Acompanham o ritmo do animal, que cheira aqui e ali, mija aqui e ali, late para um ou outro semelhante.

A turma que vai tomar água de coco se aglomera em torno de uma só barraca, embora haja três na praça. Preferem uma mais bem situada, exatamente na passagem de todos que caminham por lá. Daí se pode apreciar todo o movimento, dos que vão e vêm, da turma da ginástica rítmica, ao som altíssimo de Ivete Sangalo pondo fogo no pessoal.

Os lindos, nus da cintura para cima, óculos escuros, sempre! Correndo com seus cachorros de grande porte: Labrador, Rotweiller, Dogue Alemão, Doberman, sem focinheira.

Eles abrem caminho, num galope pesado e barulhento.

É o equivalente aos carrões que nos assustam no trânsito: Amarok, Chevrolet Montana, Ford Eco Sport, Honda WR-V.

Cachorrões e carrões enviam a mesma mensagem: poder, força, espírito aventureiro e desbravador.

Fazem grande efeito na praça.

Rezemos para que tenham controle: que não atropelem nem mordam ninguém.

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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!

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