Dedos longos para alcançar todas as teclas do piano, mãos grandes, quase trinta e um centímetros, fortalecidas pelos exercícios diários de solfejo.
Pés delicados de cavalo de raça, a qualquer desnível de terreno, quebram fácil. Pisa sem fazer ruído.
Com eles, além de afundar os pedais do piano – prolongando o som infindavelmente -, tropeça e rompe os ligamentos quando, então, é obrigada a andar de bota ortopédica durante vários dias por ano.
Nos intervalos, usa sapatos altos. Possui mais de 300 pares.
Mesmo em casa, sozinha, não dispensa os saltos.
Diante de um grande espelho tem prazer em se olhar: cruza as pernas, balança devagar a de cima, de vez em quando rola o pé em volta do próprio eixo.
Quando se cansa vai até o piano cujas teclas martela sem piedade; elas estremecem de dor.
A cada estreia, um sapato novo; tem mais sapatos do que estreias. Na última, ao descer do taxi, torceu o tornozelo. Chorou de decepção, sempre maior que o sofrimento, independente da cor roxa e do inchaço imediatos.
Bota ortopédica por quarenta dias se não houver trincado o osso.
Já conhece o roteiro: pé suspenso do chão, bengala e sapato alto no pé direito.
Ficam desgastados de um lado só, um horror.
Vinga-se no piano, atormenta as teclas, afoga o pé no pedal.
As paredes, desvairadas.
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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!
Cada figura que vc cria, Loeb! Uma Imelda! Salto equino! Trezentos pares?? E aqui ocorre um fenômeno em que os dedos se transformam em saltos altos [só na minha cabeça?!]. Que martelam o pobre piano. Vingança! Pobres paredes! Multiplicam-se metonímias. Deslocamentos. Vaidades… Mas 31 centímetros? Non ti credo!