Me ensinou frestas de montanhas,
do murmúrio dos ribeirões,
ordenhar vacas e ler Kafka
Sobreviver em casa costureira
feminina e desordeira
entre azáfama de tesouras
e frufru de tecidos
Com ele aprendi cercas de maracujá,
flor guardiã dos mistérios gozosos
roxo-amarelos, instrumentos da paixão,
e cheiros machucados
Tivemos lições de caminhar descalços
em caminhos pedregosos,
correr na praia e surfar o mar
Vivemos as artes do amor,
os perigos de curvas umidades
no calor e no frescor de meu corpo
fundido ao dele
Tomamos caipirinhas,
conhecemos vinho branco, tinto, rosado
e desprezamos no copo a borra do conhaque
Viajamos as diferenças entre o deserto
as estradas de terra e de asfalto
e as ruas apinhadas das cidades
Um dia, entretanto, ele que jamais me deixaria
estende um mapa sobre seus joelhos,
pergunto-lhe: Mapa do quê?
Uma cartografia de pessoas mortas, diz:
Esse ponto rajado aqui embaixo sou eu.
Parecia Kafka ordenhando uma vaca.
Sem acrescentar mais nada
coloca o mapa sob o braço,
e sem outra palavra vai embora
sem se voltar, um tanto claudicante
Por dias e noites mergulho
na tristeza, a mais trágica das criaturas:
o sol não retornaria,
o mestre partiu com o mapa
Contra minha vontade, porém, o sol renasce
uma luz acende
e me humanizo mais um tanto
Me vejo menos alegre, mais desassossegada e
uma inquieta incerteza quando descubro:
a partir de então, ninguém me guiaria