Clube dos Escritores 50+ Carlos de Castro Grana

A força da grana, crônica de Carlos de Castro

          – Você não estava sabendo? Só vamos ficar abertos até o final do mês.

          A conversa se deu quando eu chegava a academia para um dos meus dois ou três treinos semanais. Me espantei quando vi um técnico desmontando o belo painel luminoso da entrada. Ao perguntar à recepcionista o que tinha acontecido, fui surpreendido com a resposta. Depois percebi que haviam colocado uma nota no quadro de avisos.

          São Paulo se autodevora. O prédio da academia tem pouco mais de dez anos. Linhas modernas, concreto aparente, fachada em pele de vidro, piscina olímpica, três pavimentos de equipamentos, aulas disso e daquilo.  Um paraíso para quem gosta de exercícios físicos ou procura proteção contra os efeitos do sedentarismo, como eu. E também, claro, para os que estão mais preocupados com narcísicos cultos corporais.

          Não importa. Vai tudo ao chão.

          O terreno valorizou demais. Uma incorporadora fez as contas e concluiu que pode faturar alto construindo ali uma torre de 30, 40 andares. Indenizar o “predinho” que está ali não pesa nada.

          A academia funcionava, bem ou mal, como um ponto de encontro de moradores e o pessoal dos escritórios. Uma espécie de oásis na aridez urbana daquele bairro paulistano, cada vez mais ocupado por torres residenciais e/ou comerciais. Torres fechadas, “protegidas” dos perigos do mundo exterior, das ruas pelas quais deve-se circular o mínimo possível.

          Estaremos indo no caminho certo? Não haverá reação contra a força da grana? Nos fecharemos progressivamente em pseudo comunidades isoladas do mundo? Cercadas por grandes muros, cercas, câmeras, guardas, vigias? Esse culto à segurança não está indo no caminho contrário ao da busca de um saudável convívio comunitário? Comunidade? O que é isso? Perguntariam os mais jovens. Isso não é coisa de favela?

          Refletia sobre essas questões enquanto fazia um pouco de bicicleta. Minha sessão de despedida. Sumirá a academia, como já sumiram há tempos os campinhos onde a molecada jogava bola ou brincava de bolinha de gude. E as ruas tranquilas onde as mães ajudavam a criançada a preparar as festas juninas.

          Ao sair resolvi tirar uma foto da fachada. Bobagem, uma lembrança, sei lá. Parei ao lado do vendedor de água de coco com seu carrinho sempre estacionado por ali. Perguntei se ele já sabia do fechamento e demolição iminente da principal fonte de sua freguesia.

          – Tô sabendo, tô sabendo. Não tem problema, não. O pessoal das obras consome bastante coco.  Já tenho experiência. A gente se ‘adapita’.

          Valeu. Saí carregando o consolo: o ser humano tem grande capacidade de adaptação. Espero que também encontre maneiras de cultivar a arte do encontro, sua própria humanidade.

3 comentários

  1. Carlos, todos os dias eu me despeço de padarias, oficinas de costura, Cabelereiros, lavanderias…eu ando pelo meu bairro me despedindo de algo que está no futuro, mas eu já não aproveito feliz o presente. Triste, né?
    Beijos

  2. A força da grana que ergue e destrói coisas belas…Está destruindo a poesia, o afeto, a humanidade. Belo texto, Carlos.

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