Os donos da rua
A dona da rua, por Sylvia Loeb

Lábios imensos, carnudos, dobravam-se  para fora da boca feito pétalas maduras de flor vermelha desabrochada. Caminhava com passadas largas, pra lá e pra cá, ao longo de uns 20 metros da rua. Sua rua.  Saionas largas sobrepostas, os cabelos escondidos por turbante colorido, falava animadamente com alguém invisível. A cabeça altiva, o peito pra frente, a conversa animada, ar de triunfo.

No dia seguinte foi vista em outro bairro. Camadas sobrepostas de sacos negros de lixo vestiam seu corpo; na cabeça, um grande arranjo negro dava a impressão de ser mais alta. Como bagagem, um amontoado de sacos que carregava com cuidado. A mesma boca vermelha desabrochada. Um ar nostálgico no lugar do majestático. Silenciosa, cansada de convencer uns e outros de alguma coisa que só ela sabia.

Tinha sido roubada: a panela, o abridor de lata, as saionas, o pano da cabeça, cinco pregadores, um ovo de madeira, metade de um rolo de papel higiênico, uma faca de cabo quebrado. Só não tinham levado o monte de sacos de lixo que guardava para alguma emergência.

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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!

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O mendigo, por Adília Belotti

Passei por ele voltando para casa. Um belo homem devia ser, por trás da camada acinzentada que lhe cobria o corpo. Muito negro, alto, rijo, os cabelos desgrenhados, longos. Vestia feito manto um cobertor desses também acinzentados, que um dia foram forros de carpete. Havaiana em um pé, descalço o outro. Mas não fazia tanto frio. Manhã de domingo, nenhuma nuvem no céu nesses primeiros dias de outono. Esperava do lado de fora da padaria pelo pão na chapa e café com leite que o dono manda o funcionário oferecer, ó-aqui, mas agora vai circular, amigão! Continue lendo aqui!

Leopoldo, por Bettina Lenci

Passo diariamente ao lado de uma loja com marquise, cujo portão de ferro está baixado. Em frente a essa porta, um catre feito de madeira de construção segue o desenho de uma cadeira de praia. Uma ”chaise-longue” de ripas e encosto inclinado sob um guarda-sol branco conhecido por “ombrelone”. (Por que num país com quilômetros de praia usamos nomes estrangeiros para designar a mobília de verão?). Continue lendo aqui!

4 comentários

  1. A crônica resgata os personagens descartados da cidade e nos obriga a pensar sobre a noção de dignidade. Quem e como se mantém digno nesta travessia implacável da existência?

  2. pobrezinha, arrancaram as suas ilusões construídas com tanta graça!

    roubo de fantasia!

    onde a realidade falha, a fantasia corrige, disse Freud!

    artes cênicas! o texto aqui é uma aula de figurinos.

  3. Nossa, que legal, Sylvia. A gente vai se envolvendo na sua descrição. É tão pouco e é tanto. E daí parece que isso resgata uma sensação de que “eu já vi essa mulher”. E na verdade todo mundo já viu mas essas ficam invisíveis. Belo resgate!!!

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